O Judiciário brasileiro é, comprovadamente, impotente
para responder às indagações cívicas promovidas pelos cidadãos no Estado
Democrático de Direito. Nessa conjuntura, a Constituição de 1988, o Código de
Defesa do Consumidor e os Juizados Especiais contribuiram ainda mais para
oferecer ao cidadão largo acesso aos serviços judiciários sem a sequência de
solução para as demandas. Isso ocorre, porque não houve planejamento com
implementação dos recursos estruturais para acompanhar o significativo aumento
das questões; o resultado é que avulumaram-se bastante os processos e os juizes
mostram-se sem condições para dizer o direito.
A solução dos litígios é de competência do
Judiciário, mas a crescente
litigiosidade, sem estrutura nos fóruns para atendimento às partes, é teorema
que reclama a participação efetiva dos demais poderes da República.
Constrange-nos saber que há, no Brasil atual, em todos
os cartórios dos vários segmentos do Judiciário, um processo para cada dois
habitantes do País; em 2012, segundo dados do CNJ, tinhamos 92.2 milhões de
demandas para serem decididas por aproximadamente 17 mil juizes. Essa situação
é bem diferente da realidade de outros países, onde há, em méda, um processo
para cada cinco mil cidadãos.
Esses e outros números diminuem-nos na vitrine da
educação do povo, da boa prestação jurisdicional, porque as motivações são
decorrentes de profunda e injusta estrutura disponibilizada para os
magistrados.
O legislador brasileiro seguiu prática que não condiz
com o bom senso, porque incute no Estado Juiz a intervenção e obrigação de
resolver todos os conflitos da sociedade, sem se preocupar com o oferecimento
de soluções extrajudiciais para a maioria das demandas, como ocorre no mundo
civilizado, que deixa a máquina estatal reservada para atuar em causas mais
complexas, garantindo assim uma justiça mais célere e mais justa.
As críticas diante dessa desconfortável situação
recai, principalmente, sobre os servidores e juizes, acusados de fabricar a
impunidade; essa imagem decadente não dimensiona os resultados estatísticos
esperados pelas autoridades superiores e deixa o juiz acuado diante da busca
desenfreada de rapidez do processo. A tragédia, a injustiça pela inexistência
de julgamento não pode ser direcionada para quem está na base da pirâmide e
onde as reformas nunca chegam, mas agiganta a carência de servidores e de
estrutura mínima para funcionamento do sistema de fazer justiça.
Os conflitos perpetuam-se nos escaninhos dos
cartórios, segurança para os trambiqueiros, porque apegam-se à lerdeza do
Judiciário para estimular seus apetites sem critérios; onde os criminosos
recebem salvo-conduto para continuar matando, sequestrando, roubando e
estuprando; onde os corruptos aproximam-se do poder para ganhar a impunidade;
tanto uns quanto outros prosseguem no caminho mais fácil da vida, porque sabem
que o sistema não funciona.
Calcula-se que menos de 0,5% dos criminosos são
condenados a prisão; como entender que um homicida não seja punido, porque se
deu a prescrição, e, portanto, o Estado-Juiz, devido ao tempo sem solução do
processo, não pode mais encarcerar o bandido que acabou com o sossego de uma
família? Pois em nosso sistema isso acontece com certa normalidade.
A conclusão do CNJ é
sintomática: de cada dez processos judiciais, sete deles não foram concluidos;
isso se repete desde o ano de 2009. O relatório aponta que, em 2012, cada um
dos 17 mil juizes sentenciou em média 1,45 processos, número que cresceu em
1,4% em relação ao ano anterior. Registre-se que 1.000 processos por juiz já é
boa produtividade.
A crise que abate sobre os serviços judiciários é reflexo do desleixo ou
incompetência dos governantes que causa o acúmulo de processos sem decisão e
que humilha e viola o direito do cidadão honesto e cumpridor de seus deveres.
O Judiciário não fez a crise, mas sofre com ela; está falido não por sua
prória culpa, mas em função dos sádicos pelo poder,
mitigado pela indolência da mudança.
Mas por que nada se muda?
Evidente que nesse imbróglio, há participação também
da elite do próprio Judiciário que não se empenha em promover as mudanças de
sua competência, a exemplo da Lei Orgânica da Magistratura que deveria ser
encaminhada ao Congresso logo depois de 1988, mas continua resistindo à
determinação constitucional e a imperiosa necessidade de modernização do
sistema.
É assim o Judiciário, cheio de contradições!
Como compreender a formação da Justiça Eleitoral, toda
ela servida por magistrados emprestados da Justiça Comum e da Justiça Federal,
apesar de prioritários seus serviços; ou seja, a Justiça Eleitoral não tem
juizes titulares, mas se serve dos juizes de outros tribunais que se obrigam a
deixar seus afazeres para cuidar das eleições.
É descaso com o cidadão!
Além de todas as dificuldades e para aprofundar ainda
mais a crise do sistema vem a crescente judicialização das controvérsias; tudo
tem de passar pelas mãos do juiz: o plano de saúde que não atende ao paciente
só se resolve depois de uma decisão judicial; os serviços de telefonia só
prestam bons serviços depois da manifestação judicial; os bancos e cartões de
crédito só deixam de lançar débitos indevidos depois da manifestação do juiz;
os governantes só cumprem suas obrigações legais, fazer concurso e nomear os
aprovados, evitar arbitrariedades no campo tributário, depois do pronunciamento
do magistrado.
Não há resposta administrativa para situações criadas
pelo próprio Executivo, que comete erros grosseiros e arbitrariedades,
confiados na morosidade da justiça, caracterizando assim a inoperância e
omissão, contribuindo para crescimento da litigiosidade contida.
A inutilidade dos Procons, das Ouvidorias, das
agências reguladoras só fazem aumentar a ineficiência da judicialização. Temos
mais de 700 mil advogados e grande parte deles buscam outros meios para viver,
quando poderiam prestar serviço ao carente ou atuar na prevenção de
litigios.
No jogo do contraditório, surgem duas forças,
originadas de dois interesses diamentralmente opostos; uma delas busca
aplicação da lei, celeridade no julgamento e a outra usa os subterúgios da lei,
morosidade do processo para perenizar a solução do litígio. E o juiz fica no
meio desse tumulto, preso às peias processuais e legais.
O dinamismo do mundo moderno não comporta a lentidão
da justiça.
A agilidade na solução dos conflitos reside mais na
redução do número de processos no sistema judicial e não na alternativa cínica
de que “melhor um mau acordo que uma boa questão”.
Há de ser repensado o ritualismo e o simbolismo do
Judiciário, porque criadores de distância entre o pronunciamento e a efetivação
do direito.
Ao lado da Justiça que o cidadão reclama, temos a
Justiça que o Estado oferece, capenga, lenta e ineficiente.
Salvador, janeiro/2014.
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