COM ESTE ARTIGO, PUBLICADO NO DIA EM QUE ASSUMI O
CARGO DE DESEMBARGADOR, HOMENAGEIO OS MAGISTRADOS, OS ADVOGADOS, OS SERVIDORES E
O ESTUDANTE.
O golpe de 1964 foi responsável por injustiças e
verdadeiras atrocidades no Brasil; muitas mães perderam os filhos, esposas não
receberam nem o cadáver dos maridos. A acusação para a caça às bruxas era
sempre a de que o acusado professava ideal comunista. Alguns líderes daquele movimento
continuam decorando o museu no Congresso Nacional. Na mente dos que viveram
aqueles tempos ficou a imagem de que o golpe de Estado serviu para desarticular
as legítimas lideranças nacionais.
Nos anos 70, a UNE, os trabalhadores, os
professores, os bancários atuavam na reivindicação de direitos específicos e
tratavam dos grandes temas nacionais: falta de recursos para a educação,
aumento de salário abaixo da inflação, fechamento de restaurantes dos
estudantes, corrupção e desmandos na condução dos destinos do País, tudo isto
era motivo para o povo reclamar e se insurgir em movimentos populares pelas
ruas das cidades.
O estudante que veio de Santana, oeste da Bahia,
fez o segundo grau em Salvador, rumou para o Rio de Janeiro, onde ingressou na
antiga Faculdade Nacional de Direito, da qual era reitor o grande baiano, Pedro
Calmon. Concluiu o curso de Ciências Jurídicas no ano de 1970, apesar das
dificuldades advindas das ameaças de desligamento, face à presença nos
movimentos estudantis.
O estudante desfilou pelo centro do Rio de Janeiro,
deitado em uma cama e carregado pelos colegas, simbolizando a preguiça do
Ministro da Educação na solução dos problemas educacionais do Brasil. No outro
dia, os jornais locais estamparam fotos do movimento.
Calabouço era o restaurante dos secundaristas no
Rio de Janeiro, freqüentado pelo estudante do oeste baiano. Edson Luis, um dos
símbolos estudantis da resistência ao golpe, morreu exatamente no Calabouço, no
ano de 1968; o assassinato dele provocou revolta e protesto através da passeata
dos 100 mil. O ato contou com participação ativa do clero, dos professores, de
intelectuais, artistas e jornalistas e terminou sem incidente algum. Em todos
estes movimentos, o estudante estava presente.
O estudante trabalhava na Agência de Notícias,
ASAPRES, e mais tarde, através de concurso tornou-se funcionário da Petrobrás;
desligou-se do emprego, após a conclusão do curso de Direito; na festa de
formatura, foi orador da turma, e seu discurso patenteou os princípios que viria
a adotar na sua vida de advogado e, posteriormente, como magistrado.
Hoje, os estudantes, os trabalhadores e os
funcionários públicos não mais incomodam os governos; não reclamam, não
reivindicam seus direitos; recebem o salário que aprouver aos empresários,
estudam de conformidade com as regras traçadas pelo sistema. O clamor popular
não é mais ouvido: “abaixo a ditadura”; abaixo a corrupção”, etc. A corrupção,
na atualidade, destrói o patrimônio e a moral dos brasileiros e ninguém grita;
aceita-se a delegação concedida através do voto aos políticos, que fingem
representar o povo no Congresso Nacional.
A advocacia no oeste da Bahia serviria como
trampolim para a política; nos sete anos de advocacia, 1971/1977, o estudante
tomou consciência da incompatibilidade entre sua postura e a ação política.
Rumou definitivamente para a advocacia no oeste baiano e aguardou o primeiro
concurso público para o cargo de Juiz de Direito, que só aconteceu sete anos
depois de formado, em 1977. Não perdeu tempo, porque aprimorou seus
conhecimentos para usar na magistratura.
A advocacia provocou questionamentos de toda ordem:
o pequeno perdia a causa porque não dispunha de recursos para contratar bons
advogados; as comarcas estavam sempre sem juiz titular e o substituto não tinha
condições para decidir as demandas ajuizadas; os serventuários, além de não
terem reciclagem, ganhavam, como ainda ganham, pouco e sem incentivo algum; a
morosidade era, como ainda é, reclamada por todos. Obstáculos de outras ordens
preocupavam o advogado: a burocratização dos serviços judiciários, a
imperfeição das leis. Mesmo assim, enfrentou o desafio e lutou, como ainda
luta, contra a formalidade exagerada, contra a burocratização, contra o império
do papel nos serviços da Justiça. A desigualdade social tornou-se apanágio de
luta.
A posse no cargo de Juiz de Direito da comarca de
Oliveira dos Brejinhos, 1977, marcou o inicio de um novo sonho. Quebrou
paradigmas, inovou e reclamou; passou por Bom Jesus da Lapa, em 1980/2 e
Barreiras, 1983 até chegar à Capital no ano de 1989. Tomou cursos na França,
nos Estados Unidos, escreveu livros, mais de cem artigos; depois de 28 anos de
serviço na magistratura, chega o estudante ao cume da carreira: torna-se
desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia.
Os mesmos sonhos, a mesma disposição, os mesmos
ideais continuam no horizonte do Desembargador Antonio Pessoa Cardoso.
Salvador,
junho/2006.
Antonio
Pessoa Cardoso.
pessoacardoso@uol.com.br
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