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sábado, 2 de agosto de 2014

O CONSUMIDOR E O CARTÃO DE CRÉDITO


A Lei n. 8.078/90, CDC, além de ser uma das mais completas de todo o mundo, na América Latina, foi a primeira a regulamentar as relações de consumo e tornou-se modelo para legislações de outros países. Para citar o MERCOSUL, a Argentina editou sua lei em outubro de 1993, Lei 24.240/93; o Paraguai em julho de 1999, Lei n. 1.334/99 e o Uruguai, em setembro do mesmo ano, Lei n. 17.189/99.

O país cresceu e houve explosão demográfica, avolumou-se a produção de bens de toda natureza, juntamente com a demanda, provocando maiores lucros para o empresariado. Esta situação fez aparecer novo perfil para novos tempos, consistente na dependência do consumidor aos bancos e às financeiras; nossas ações para chegarmos à farmácia, ao hospital, ao hotel, ao restaurante, ao supermercado, ao cinema, às viagens estão vinculadas ao capital. E o pior de tudo isto é que impõem as condições para a prestação dos serviços públicos que oferecem, desrespeitam as leis e encontram meios para prejudicar o consumidor.

O crescimento da oferta de crédito no mercado é seguido pelo aumento da inadimplência e do superendividamento, também denominado de sobreendividamento e conceituado como sendo a contração de dívidas acima das condições econômicas do cidadão que não dispõe de meios para quitá-las, nem capacidade para obter novos créditos. Este fenômeno acontece, porque o consumidor não possui educação para o consumo e cai na armadilha da facilidade de obtenção de crédito. O marketing incute na vontade dos mais fracos as facilidades anunciadas, tais como: “Dinheiro Sem Burocracia”; “Precisa de Dinheiro? Passe aqui”.

Os números mostram que 70% dos consumidores não conhecem nada sobre as taxas de juros e 53% não lêem os contratos. Aliás, Mauro Cappeletti, jurista italiano, já disse que mais de 90% dos contratos celebrados não asseguram a real vontade das partes, face à popularização do contrato de adesão. Estes fatos, no Brasil, demonstram que o brasileiro é oral, mas aponta também o profundo descuido na contratação.       

Assim, enquanto o consumidor parece andar a passos de caranguejo, na defesa de seus direitos, o empresariado progride de forma inusitada e traz substanciais novidades, tais como o factoring, a franchising, o leasing, o cartão de crédito.

Criou-se espaço para a invenção do cartão de crédito, destinado a substituir o cheque e o dinheiro, a permitir que o consumidor compre o que deseja, mesmo sem ter recursos imediatos; sabendo que não vai desembolsar valor algum, no momento da compra, o usuário do cartão gasta mais e se surpreende, no fim do mês, com a fatura das despesas efetuadas; assim, num primeiro momento e em função do prazer da compra, sofre, num segundo momento, padece com a dor do pagamento.

O uso do cartão de crédito, denominado de dinheiro plástico, tornou-se motivo de conceito na sociedade consumerista e, portanto, indispensável para o homem moderno. As lojas de varejo, os hotéis, as companhias aéreas, as farmácias e até o comércio informal precisam do cartão de crédito para alavancar seus negócios. Oferecem vantagens ao consumidor que termina por aceitar o cartão que poderá criar-lhe constantes problemas.  

O contrato celebrado entre o usuário e a empresa fornecedora do cartão é típico contrato de adesão, no qual uma parte fixa as cláusulas usuais para este ajuste, enquanto a outra simplesmente aceita, adere; se isto facilita para um, porque reduz custos, reprime a liberdade de contratar para outro, o consumidor.

O cartão de crédito, sem que o consumidor perceba, esconde a rentável linha de financiamento das empresas que se dedicam a esta atividade, consistente no denominado “pagamento mínimo”. Na data do vencimento da fatura das compras feitas, o usuário do cartão tem a opção que lhe é oferecida de pagar parte do valor dos produtos adquiridos, parcelando o restante; não avalia que a operação consiste em empréstimo daquele montante que não foi liquidado, mas parcelado; sobre este resto a pagar incidirão os mais altos custos financeiros do comércio, que chega a 17% ao mês, enquanto os juros de mercado para compra de carro, por exemplo, gira em torno de 2% ao mês. Grande parte dos usuários deste serviço passa anos efetivando pagamento mínimo da fatura, como se estivesse preso a um agiota, porquanto o empréstimo é compulsório.

O contrato de adesão reside exatamente na diferenciação de direitos e deveres; enquanto o consumidor se submete a extorsivos juros pelo que não pagou na data de vencimento, não recebe igual tratamento quando desembolsa valor superior ao da fatura, por engano ou por qualquer outro motivo; é obrigado a esperar pela próxima fatura, quando será reembolsado sem maiores encargos daquele valor que ficou retido com a administradora por um mês.   

Cartão de crédito, empréstimos em consignação para funcionários públicos, cheque especial e outras linhas de crédito de fácil aprovação exercem substancial atração sobre o consumidor. É que, as financeiras e bancos substituem as garantias pela facilidade na concessão do crédito, mas oneram altamente o dinheiro obtido com a cobrança de juros extorsivos.

É verdadeira a tentação oferecida pelo marketing das empresas, através de seu banco de dados, quando remetem cartão de crédito para o cidadão, sem que haja qualquer solicitação. Além disto, oferecem e vendem outros produtos, a exemplo do seguro de instituições associadas ou integrantes do mesmo conglomerado financeiro. Se o possuidor do cartão, inadvertidamente, usá-lo estará aceitando o contrato, mas mesmo sem utilizar o “dinheiro plástico”, poderá receber em casa fatura para pagamento de encargos que não deu causa, porque sem uso o cartão que não foi pedido.

Situações desta natureza exigem posicionamento imediato do usuário para entrar em contato com a administradora, exigir-lhe explicações da ocorrência e pedir cancelamento do cartão; se necessário, no caso de emissão de faturas ou boletos com eventual dívida, deve reclamar junto aos órgãos de defesa do consumidor ou a um dos juizados especiais, porque cabível ação indenizatória.     

Através do dinheiro plástico, o consumidor adquire bens e serviços em qualquer estabelecimento comercial credenciado pela administradora do serviço e responsável por sua emissão. A empresa vendedora do produto a ser adquirido ou do serviço a ser prestado registra a transação com uso de máquinas fornecidas pela administradora do cartão, além do crédito propriamente dito; emite-se mensalmente a fatura e o usuário se obriga a pagar, na data escolhida, os valores correspondentes.

A Lei n. 12.007/2009 obriga empresas públicas e privadas a emitirem comprovante anual de pagamento de serviços em substituição aos doze documentos fornecidos no curso do ano. Isto evidentemente facilita a vida do consumidor, pois se antes era obrigado a guardar sessenta recibos durante cinco anos, passa agora a ter apenas cinco comprovantes.          

Os grandes inimigos do consumidor continuam sendo em primeiro lugar o governo federal, seguido dos bancos e financeiras, concessionárias de serviço público, como telefonia, planos de saúde. Apesar da força desses segmentos da sociedade, não se pode esconder os significativos ganhos obtidos pelo consumidor em todas as áreas.
Salvador, 1 agosto/2014.


Antonio Pessoa Cardoso.
                                                  PessoaCardosoAdvogados



                        






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