A Lei n. 8.078/90, CDC, além de ser uma das mais
completas de todo o mundo, na América Latina, foi a primeira a regulamentar as
relações de consumo e tornou-se modelo para legislações de outros países. Para
citar o MERCOSUL, a Argentina editou sua lei em outubro de 1993, Lei 24.240/93;
o Paraguai em julho de 1999, Lei n. 1.334/99 e o Uruguai, em setembro do mesmo
ano, Lei n. 17.189/99.
O país cresceu e houve explosão demográfica, avolumou-se
a produção de bens de toda natureza, juntamente com a demanda, provocando
maiores lucros para o empresariado. Esta situação fez aparecer novo perfil para
novos tempos, consistente na dependência do consumidor aos bancos e às
financeiras; nossas ações para chegarmos à farmácia, ao hospital, ao hotel, ao
restaurante, ao supermercado, ao cinema, às viagens estão vinculadas ao
capital. E o pior de tudo isto é que impõem as condições para a prestação dos
serviços públicos que oferecem, desrespeitam as leis e encontram meios para
prejudicar o consumidor.
O crescimento da oferta de crédito no mercado é seguido
pelo aumento da inadimplência e do superendividamento, também denominado de
sobreendividamento e conceituado como sendo a contração de dívidas acima das
condições econômicas do cidadão que não dispõe de meios para quitá-las, nem
capacidade para obter novos créditos. Este fenômeno acontece, porque o
consumidor não possui educação para o consumo e cai na armadilha da facilidade
de obtenção de crédito. O marketing incute na vontade dos mais fracos as
facilidades anunciadas, tais como: “Dinheiro Sem Burocracia”; “Precisa de
Dinheiro? Passe aqui”.
Os números mostram que 70% dos consumidores não conhecem
nada sobre as taxas de juros e 53% não lêem os contratos. Aliás, Mauro
Cappeletti, jurista italiano, já disse que mais de 90% dos contratos celebrados
não asseguram a real vontade das partes, face à popularização do contrato de
adesão. Estes fatos, no Brasil, demonstram que o brasileiro é oral, mas aponta
também o profundo descuido na contratação.
Assim, enquanto o consumidor parece andar a passos de
caranguejo, na defesa de seus direitos, o empresariado progride de forma
inusitada e traz substanciais novidades, tais como o factoring, a franchising,
o leasing, o cartão de crédito.
Criou-se espaço para a invenção do cartão de crédito,
destinado a substituir o cheque e o dinheiro, a permitir que o consumidor
compre o que deseja, mesmo sem ter recursos imediatos; sabendo que não vai
desembolsar valor algum, no momento da compra, o usuário do cartão gasta mais e
se surpreende, no fim do mês, com a fatura das despesas efetuadas; assim, num
primeiro momento e em função do prazer da compra, sofre, num segundo momento,
padece com a dor do pagamento.
O uso do cartão de crédito, denominado de dinheiro
plástico, tornou-se motivo de conceito na sociedade consumerista e, portanto,
indispensável para o homem moderno. As lojas de varejo, os hotéis, as
companhias aéreas, as farmácias e até o comércio informal precisam do cartão de
crédito para alavancar seus negócios. Oferecem vantagens ao consumidor que
termina por aceitar o cartão que poderá criar-lhe constantes
problemas.
O contrato celebrado entre o usuário e a empresa
fornecedora do cartão é típico contrato de adesão, no qual uma parte fixa as
cláusulas usuais para este ajuste, enquanto a outra simplesmente aceita, adere;
se isto facilita para um, porque reduz custos, reprime a liberdade de contratar
para outro, o consumidor.
O cartão de crédito, sem que o consumidor perceba,
esconde a rentável linha de financiamento das empresas que se dedicam a esta
atividade, consistente no denominado “pagamento mínimo”. Na data do vencimento
da fatura das compras feitas, o usuário do cartão tem a opção que lhe é oferecida
de pagar parte do valor dos produtos adquiridos, parcelando o restante; não
avalia que a operação consiste em empréstimo daquele montante que não foi
liquidado, mas parcelado; sobre este resto a pagar incidirão os mais altos
custos financeiros do comércio, que chega a 17% ao mês, enquanto os juros de
mercado para compra de carro, por exemplo, gira em torno de 2% ao mês. Grande
parte dos usuários deste serviço passa anos efetivando pagamento mínimo da
fatura, como se estivesse preso a um agiota, porquanto o empréstimo é
compulsório.
O contrato de adesão reside exatamente na diferenciação
de direitos e deveres; enquanto o consumidor se submete a extorsivos juros pelo
que não pagou na data de vencimento, não recebe igual tratamento quando
desembolsa valor superior ao da fatura, por engano ou por qualquer outro
motivo; é obrigado a esperar pela próxima fatura, quando será reembolsado sem
maiores encargos daquele valor que ficou retido com a administradora por um
mês.
Cartão de crédito, empréstimos em consignação para
funcionários públicos, cheque especial e outras linhas de crédito de fácil
aprovação exercem substancial atração sobre o consumidor. É que, as financeiras
e bancos substituem as garantias pela facilidade na concessão do crédito, mas
oneram altamente o dinheiro obtido com a cobrança de juros extorsivos.
É verdadeira a tentação oferecida pelo marketing das
empresas, através de seu banco de dados, quando remetem cartão de crédito para
o cidadão, sem que haja qualquer solicitação. Além disto, oferecem e vendem
outros produtos, a exemplo do seguro de instituições associadas ou integrantes
do mesmo conglomerado financeiro. Se o possuidor do cartão, inadvertidamente,
usá-lo estará aceitando o contrato, mas mesmo sem utilizar o “dinheiro plástico”,
poderá receber em casa fatura para pagamento de encargos que não deu causa,
porque sem uso o cartão que não foi pedido.
Situações desta natureza exigem posicionamento imediato
do usuário para entrar em contato com a administradora, exigir-lhe explicações
da ocorrência e pedir cancelamento do cartão; se necessário, no caso de emissão
de faturas ou boletos com eventual dívida, deve reclamar junto aos órgãos de
defesa do consumidor ou a um dos juizados especiais, porque cabível ação
indenizatória.
Através do dinheiro plástico, o consumidor adquire bens
e serviços em qualquer estabelecimento comercial credenciado pela
administradora do serviço e responsável por sua emissão. A empresa vendedora do
produto a ser adquirido ou do serviço a ser prestado registra a transação com
uso de máquinas fornecidas pela administradora do cartão, além do crédito
propriamente dito; emite-se mensalmente a fatura e o usuário se obriga a pagar,
na data escolhida, os valores correspondentes.
A Lei n. 12.007/2009 obriga empresas públicas e privadas
a emitirem comprovante anual de pagamento de serviços em substituição aos doze
documentos fornecidos no curso do ano. Isto evidentemente facilita a vida do
consumidor, pois se antes era obrigado a guardar sessenta recibos durante cinco
anos, passa agora a ter apenas cinco
comprovantes.
Os grandes inimigos do consumidor continuam sendo em
primeiro lugar o governo federal, seguido dos bancos e financeiras,
concessionárias de serviço público, como telefonia, planos de saúde. Apesar da
força desses segmentos da sociedade, não se pode esconder os significativos
ganhos obtidos pelo consumidor em todas as áreas.
Salvador, 1 agosto/2014.
Antonio Pessoa Cardoso.
PessoaCardosoAdvogados
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