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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O DIREITO NAS RUAS


A edição de leis para a convivência do homem é fruto da tradição da história; a lei não tem a virtude de acomodar a ganância e a maldade humana, daí porque deveria ser dispensável para a harmonia entre as pessoas. Os bons costumes, certamente, substituiriam as más leis, responsáveis pela petrificação de privilégios.  

As boas leis nascem nas ruas, porque fruto maior do grito dos pobres sobre os ombros dos quais recaem as violações mais comezinhas à cidadania e à dignidade humana: direito de ir e vir, direito à saúde, direio à educação, direito à moradia, direito à alimentação, direito de vestir; mas as leis originam-se também dos desencontros entre os homens, porque de Jeca Tatu tornaram-se Ali Babá.

O legislador recebe da sociedade poder para transformar o clamor popular em lei, mas não atende a essas aspirações, quando legisla em causa própria, quando beneficia o Estado-administrador, ou quando acolhe a interesses menores. Sabe-se que o governo é instalado para conferir o Direito ao povo e não, como sempre faz, para desrespeitá-lo. Na verdade, essas leis prestam-se mais para ajeitar a grita do povo do que mesmo para conferir-lhe o Direito ao qual faz jus. Assim querem os governantes e os mais fortes, assim legislam os homens da lei, desviando, dessa forma, do nobre encargo recebido.

O procedimento, ideal de uns e a tarefa de outros, mostra-se bastante longo e difícil, porque, no meio do caminho, aparecem os interesses econômicos e políticos, capazes de interferir na finalização da meta, resultando nos privilégios, consistentes em leis destinadas a facilitar o acúmulo do capital ou a manter no poder determinado grupo; há interferência do Executivo correspondida pela submissão dos legisladores, promovendo a ruptura no caminhar da democracia, porque leis injustas, causadoras do mal-estar da camada mais fraca da população.

A legislação, teoricamente, origina-se do trabalho dos representantes do povo no Congresso Nacional, mas, como se disse, há desvios nesse itinerário, maculando a seriedade do sistema. Com tudo isso, está assegurado ao Estado os meios coercitivos para impor o cumprimento da boa ou da má lei, independentemente de ter havido perfeita conexão entre o ideal dos destinatários e o trabalho concreto do legislador.

Aí se situa o argumento básico para questionamentos da efetiva realização da justiça e da segurança da paz social, contribuindo sobremaneira para frustração do princípio instituído na Constituição federal, qual seja a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Nos 26 (vinte e seis) anos, a completar no mês de outubro, a Constituição já foi emendada mais de 80 (oitenta) vezes e, na sua absoluta maioria, para atender às conveniências do Estado-administrador.

No “jogo do bicho” fala-se que vale o que está escrito, mas, na Constituição, o que está escrito só vale quando serve para ajudar aos poderosos. Já se disse que, no Brasil, não são os governos que se ajustam à Constituição, mas esta que é ajustada aos governos.

O Direito nas Ruas é prática sadia americana, originada no Centro de Direito da Universidade de Georgetown, no ano de 1972, consistente no trabalho desenvolvido por estudantes, na comunidade, ensinando as leis e as formas de se beneficiar mediante seu conhecimento e uso. As pessoas aprendem que a lei é imposta à sociedade pelo Estado; tomam ciência dos recursos disponíveis para lidar com direito de locação de imóveis, com direito em matéria de consumo, direito público e outros.

Richard Roe é autor do livro Street Law, que serve de orientação para os estudantes de Direito; desenvolve noções na área penal, familiar, cidadania, do consumidor, administrativo; faz análise de casos e situações hipotéticas. Richard Roe entende que o Direito nas Ruas ensina as pessoas a pensarem sobre o que podem fazer através da lei, além de proporcionar significativa prática aos estudantes de Direito.

No Brasil, a sociedade tem-se mantido submissa, alheia e perplexa diante de leis injustas ou frente a certas interpretações, fundamentalmente da Constituição. Os exemplos se sucedem tanto no âmbito Legislativo quanto no meio do Judiciário. O povo não entende a lei que confere ao setor financeiro o direito de tomar o produto financiado, o carro, e vendê-lo sem interferência alguma da justiça.

Na área constitucional, o STF garantiu a pretensão do governo e suspendeu o direito adquirido de aposentadoria integral. O Tribunal não considerou a angústia de quem não pode mais gritar nas ruas. Bom que se saiba que a Constituição não foi feita para deleite dos intérpretes formais, nem direcionada somente para a comunidade organizada, mas para toda a massa de cidadãos que lutam, no dia a dia, fundamentalmente, por sua subsistência. E esse segmento constitui a maioria da população, garantidora da produção e da circulação das riquezas e, portanto, não pode nem deve ficar somente a observar as vantagens conferidas pelas leis aos poderosos. 

     Salvador, 25 de agosto de 2014.
 
            Antonio Pessoa Cardoso
         PessoCardosoAdvogados

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