A edição de leis para a convivência do homem é fruto da tradição da
história; a lei não tem a virtude de acomodar a ganância e a maldade humana,
daí porque deveria ser dispensável para a harmonia entre as pessoas. Os bons
costumes, certamente, substituiriam as más leis, responsáveis pela petrificação
de privilégios.
As boas
leis nascem nas ruas, porque fruto maior do grito dos pobres sobre os ombros
dos quais recaem as violações mais comezinhas à cidadania e à dignidade humana:
direito de ir e vir, direito à saúde, direio à educação, direito à moradia,
direito à alimentação, direito de vestir; mas as leis originam-se também dos
desencontros entre os homens, porque de Jeca Tatu tornaram-se Ali Babá.
O
legislador recebe da sociedade poder para transformar o clamor popular em lei,
mas não atende a essas aspirações, quando legisla em causa própria, quando
beneficia o Estado-administrador, ou quando acolhe a interesses menores.
Sabe-se que o governo é instalado para conferir o Direito ao povo e não, como
sempre faz, para desrespeitá-lo. Na verdade, essas leis prestam-se mais para
ajeitar a grita do povo do que mesmo para conferir-lhe o Direito ao qual faz
jus. Assim querem os governantes e os mais fortes, assim legislam os homens da
lei, desviando, dessa forma, do nobre encargo recebido.
O
procedimento, ideal de uns e a tarefa de outros, mostra-se bastante longo e
difícil, porque, no meio do caminho, aparecem os interesses econômicos e
políticos, capazes de interferir na finalização da meta, resultando nos privilégios,
consistentes em leis destinadas a facilitar o acúmulo do capital ou a manter no
poder determinado grupo; há interferência do Executivo correspondida pela
submissão dos legisladores, promovendo a ruptura no caminhar da democracia,
porque leis injustas, causadoras do mal-estar da camada mais fraca da
população.
A
legislação, teoricamente, origina-se do trabalho dos representantes do povo no
Congresso Nacional, mas, como se disse, há desvios nesse itinerário, maculando
a seriedade do sistema. Com tudo isso, está assegurado ao Estado os meios
coercitivos para impor o cumprimento da boa ou da má lei, independentemente de
ter havido perfeita conexão entre o ideal dos destinatários e o trabalho
concreto do legislador.
Aí se
situa o argumento básico para questionamentos da efetiva realização da justiça
e da segurança da paz social, contribuindo sobremaneira para frustração do
princípio instituído na Constituição federal, qual seja a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.
Nos 26 (vinte e seis) anos, a
completar no mês de outubro, a Constituição já foi emendada mais de 80
(oitenta) vezes e, na sua absoluta maioria, para atender às conveniências do
Estado-administrador.
No “jogo do bicho” fala-se que vale o que está escrito, mas, na Constituição, o que
está escrito só vale quando serve para ajudar aos poderosos. Já se disse que,
no Brasil, não são os governos que se ajustam à Constituição, mas esta que é
ajustada aos governos.
O Direito nas Ruas é prática sadia
americana, originada no Centro de Direito da Universidade de Georgetown, no ano
de 1972, consistente no trabalho desenvolvido por estudantes, na comunidade,
ensinando as leis e as formas de se beneficiar mediante seu conhecimento e uso.
As pessoas aprendem que a lei é imposta à sociedade pelo Estado; tomam ciência
dos recursos disponíveis para lidar com direito de locação de imóveis, com
direito em matéria de consumo, direito público e outros.
Richard Roe é autor do livro
Street Law, que serve de orientação para os estudantes de Direito; desenvolve
noções na área penal, familiar, cidadania, do consumidor, administrativo; faz
análise de casos e situações hipotéticas. Richard Roe entende que o Direito nas
Ruas ensina as pessoas a pensarem sobre o que podem fazer através da lei, além
de proporcionar significativa prática aos estudantes de Direito.
No Brasil, a sociedade tem-se
mantido submissa, alheia e perplexa diante de leis injustas ou frente a certas
interpretações, fundamentalmente da Constituição. Os exemplos se sucedem tanto
no âmbito Legislativo quanto no meio do Judiciário. O povo não entende a lei que confere ao setor financeiro o direito de
tomar o produto financiado, o carro, e vendê-lo sem interferência alguma da
justiça.
Na área constitucional, o STF
garantiu a pretensão do governo e suspendeu o direito adquirido de
aposentadoria integral. O Tribunal não considerou a angústia de quem não pode
mais gritar nas ruas. Bom que se saiba que a Constituição não foi feita para
deleite dos intérpretes formais, nem direcionada somente para a comunidade
organizada, mas para toda a massa de cidadãos que lutam, no dia a dia,
fundamentalmente, por sua subsistência. E esse segmento constitui a maioria da
população, garantidora da produção e da circulação das riquezas e, portanto,
não pode nem deve ficar somente a observar as vantagens conferidas pelas leis
aos poderosos.
Salvador,
25 de agosto de 2014.
Antonio Pessoa Cardoso
PessoCardosoAdvogados
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