O JUIZ PARALELO.
O Poder Judiciário é formado por juizes que recebem a atribuição para
dirimir conflitos em benefício da paz social. O concurso público é o critério
adotado para a seleção dos julgadores de primeiro grau, subsistindo orientações
políticas para escolha dos membros nas instâncias superiores. A ascensão ao
cargo depende do conhecimento intelectual específico, dentre os advogados que
se habilitam ao concurso, mas existem doutrinadores que apontam a eleição como
meio mais democrático para a seleção, sujeitando o candidato à mesma
sistemática usada para a formação dos poderes Legislativo e Executivo. Uma
saraivada de críticas mostra inconvenientes nesta opção, a partir da gigantesca
influência exercida pelos fraudadores da consciência pública, que compram o
cargo eletivo. O Brasil, como a maioria dos países, decidiram pelo concurso
público.
A Justiça é um dos valores humanos mais reclamados para
aperfeiçoamento da ordem democrática de um povo. Às vezes, é conseguida,
insuficiente com freqüência, inalcançada muitas vezes. É como o pão reclamado
pelo estômago, (Brecht), bastante para uns, pouco para outros, inexistente para
alguns. Em função disto, imagine-se a responsabilidade assumida por aqueles que
se aventuram na arte de julgar seus semelhantes.
Firmou-se, com muita propriedade, a assertiva de que cada povo tem o
governo que merece. O Judiciário não está imune a sofrer as conseqüências das
virtudes e defeitos do vaticínio desta expressão, pois todo juiz é buscado no
meio em que vive, escolhido pela competência, sem força para fechar espaço para
os incompetentes, respeitado pela honestidade, sem meios para impedir a
acomodação dos desonestos.
O juiz paralelo nasce desta heterodoxia, desagregado do juiz natural,
destinatário este das garantias para o pleno exercício da missão gloriosa e
árdua, consistentes na vitaliciedade, ou a perpetuidade, como anunciou a
Constituição de 1824, ou seja o juiz é permanente e só perderá o cargo por
sentença do próprio Judiciário, situação bastante incomum. O conceito é mais
amplo do que a estabilidade concedida aos funcionários públicos, pois enquanto
o primeiro tem a segurança de permanência no cargo, estes sujeitam-se à
extinção da função que ocupam. A segurança dos julgadores reside também na
inamovibilidade, ou seja, o juiz tem a certeza de que permanecerá no cargo na
sede onde reside, sem condições de ser removido para outro local, como acontece
com o funcionário público, perseguido pela sanha do executivo. A
irredutibilidade de vencimentos é outro diferencial para alicerçar a
independência do homem que enfrenta o desvalido diante do poderoso.
O juiz paralelo ocupa espaço na medida em que o juiz natural foge de
suas atribuições pela incompetência, pelo medo, pelo desvirtuamento do ofício,
sustentado nas influências deletérias do poder.
Mas quem exerce o poder paralelo?
A imprensa, em alguns momentos, quando brada contra a sentença
injusta, assumindo a defesa do desprotegido; em outras oportunidades,
entretanto, neste mesmo papel, apascenta os poderosos da justeza do juiz natural
e independente.
O executivo ou o legislativo ostenta a categoria de juiz paralelo,
quando se incumbe de atualizar as leis, impedindo a proliferação de decisões
injustas, nascidas da mente limitada do juiz natural; freqüentemente,
entretanto, preocupam-se muito mais em amparar os protegidos ou sustentar os
atos arbitrários, porque ainda viceja o juiz venal, distorção do juiz natural.
A cúpula do judiciário revela-se juiz paralelo na medida em que pune o
juiz natural que decide mais pela prata do que pela toga; há desvio da
finalidade do poder que dirige, quando investe sobre o juiz natural inseguro
para obtenção de julgamento injusto, ditado pela vaidade pessoal de poder
ou pela corrupção.
Enfim, o cidadão comum invade a atribuição do juiz natural e torna-se
juiz paralelo, quando se empenha para evitar a crucificação de seu semelhante
ditado pela sentença prepotente, odiosa e nojenta. A falha prejudica, quando a
violência é a forma escolhida para a insurreição.
A assunção pela imprensa do poder de julgar dissemina a desobediência,
mas pode contribuir para punir o juiz canalha. É o juiz censor; a elevação dos
governantes à condição de julgador provoca o desmantelamento da democracia, mas
pode atender à reclamação popular. É o juiz oficial; a usurpação do poder de
julgar pelo superior hierárquico desestrutura a independência, desequilibra o
crescimento na carreira, obnubila o sonho de convivência pacífica, mas pode
descobrir o juiz venal. É o juiz corporativista; a apropriação do poder de
julgar pelo povo dissemina a violência e destrói toda a estrutura de uma nação,
mas pode limpar o judiciário dos maus juizes. É o juiz cidadão.
O juiz censor originou-se da desonestidade do juiz natural e pecou
pela indecência no uso do poder paralelo; o juiz oficial atendeu aos reclamos
da representação, mas alimentou as benesses do poder; o juiz corporativista
desmantelou a desonestidade, mas facilitou o crescimento dos inseguros e
incompetentes, fruto da fraqueza e da vaidade; enfim, o juiz paralelo ditado
pelo movimento popular desacredita e desfaz toda a estrutura do poder, além de
expor a comunidade à experiência nefasta dos irresponsáveis.
O prejuízo causado à comunidade pelo juiz natural está no espaço que
deixa para a proliferação do juiz censor, do juiz oficial, do juiz
corporativista e do juiz cidadão, enfim do juiz paralelo, despreparado para a
missão de julgar. A comunidade exige seleção de bons juízes, fiscalização de
seus trabalhos e de seu caráter, pois somente o bom juiz, o juiz natural é
capaz de contribuir para a sustentação das estruturas democráticas de um povo.
Salvador, 18 de agosto de 2014.
Antonio Pessoa Cardoso.
pessoacardosoadvogados.
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