segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O JUIZ PARALELO.

O JUIZ PARALELO.

O Poder Judiciário é formado por juizes que recebem a atribuição para dirimir conflitos em benefício da paz social. O concurso público é o critério adotado para a seleção dos julgadores de primeiro grau, subsistindo orientações políticas para escolha dos membros nas instâncias superiores. A ascensão ao cargo depende do conhecimento intelectual específico, dentre os advogados que se habilitam ao concurso, mas existem doutrinadores que apontam a eleição como meio mais democrático para a seleção, sujeitando o candidato à mesma sistemática usada para a formação dos poderes Legislativo e Executivo. Uma saraivada de críticas mostra inconvenientes nesta opção, a partir da gigantesca influência exercida pelos fraudadores da consciência pública, que compram o cargo eletivo. O Brasil, como a maioria dos países, decidiram pelo concurso público.

A Justiça é um dos valores humanos mais reclamados para aperfeiçoamento da ordem democrática de um povo. Às vezes, é conseguida, insuficiente com freqüência, inalcançada muitas vezes. É como o pão reclamado pelo estômago, (Brecht), bastante para uns, pouco para outros, inexistente para alguns. Em função disto, imagine-se a responsabilidade assumida por aqueles que se aventuram na arte de julgar seus semelhantes.

Firmou-se, com muita propriedade, a assertiva de que cada povo tem o governo que merece. O Judiciário não está imune a sofrer as conseqüências das virtudes e defeitos do vaticínio desta expressão, pois todo juiz é buscado no meio em que vive, escolhido pela competência, sem força para fechar espaço para os incompetentes, respeitado pela honestidade, sem meios para impedir a acomodação dos desonestos.

O juiz paralelo nasce desta heterodoxia, desagregado do juiz natural, destinatário este das garantias para o pleno exercício da missão gloriosa e árdua, consistentes na vitaliciedade, ou a perpetuidade, como anunciou a Constituição de 1824, ou seja o juiz é permanente e só perderá o cargo por sentença do próprio Judiciário, situação bastante incomum. O conceito é mais amplo do que a estabilidade concedida aos funcionários públicos, pois enquanto o primeiro tem a segurança de permanência no cargo, estes sujeitam-se à extinção da função que ocupam. A segurança dos julgadores reside também na inamovibilidade, ou seja, o juiz tem a certeza de que permanecerá no cargo na sede onde reside, sem condições de ser removido para outro local, como acontece com o funcionário público, perseguido pela sanha do executivo. A irredutibilidade de vencimentos é outro diferencial para alicerçar a independência do homem que enfrenta o desvalido diante do poderoso.

O juiz paralelo ocupa espaço na medida em que o juiz natural foge de suas atribuições pela incompetência, pelo medo, pelo desvirtuamento do ofício, sustentado nas influências deletérias do poder.

Mas quem exerce o poder paralelo?

A imprensa, em alguns momentos, quando brada contra a sentença injusta, assumindo a defesa do desprotegido; em outras oportunidades, entretanto, neste mesmo papel, apascenta os poderosos da justeza do juiz natural e independente.

O executivo ou o legislativo ostenta a categoria de juiz paralelo, quando se incumbe de atualizar as leis, impedindo a proliferação de decisões injustas, nascidas da mente limitada do juiz natural; freqüentemente, entretanto, preocupam-se muito mais em amparar os protegidos ou sustentar os atos arbitrários, porque ainda viceja o juiz venal, distorção do juiz natural.

A cúpula do judiciário revela-se juiz paralelo na medida em que pune o juiz natural que decide mais pela prata do que pela toga; há desvio da finalidade do poder que dirige, quando investe sobre o juiz natural inseguro para obtenção de julgamento injusto, ditado pela vaidade pessoal de poder ou  pela corrupção.

Enfim, o cidadão comum invade a atribuição do juiz natural e torna-se juiz paralelo, quando se empenha para evitar a crucificação de seu semelhante ditado pela sentença prepotente, odiosa e nojenta. A falha prejudica, quando a violência é a forma escolhida para a insurreição.

A assunção pela imprensa do poder de julgar dissemina a desobediência, mas pode contribuir para punir o juiz canalha. É o juiz censor; a elevação dos governantes à condição de julgador provoca o desmantelamento da democracia, mas pode atender à reclamação popular. É o juiz oficial; a usurpação do poder de julgar pelo superior hierárquico desestrutura a independência, desequilibra o crescimento na carreira, obnubila o sonho de convivência pacífica, mas pode descobrir o juiz venal. É o juiz corporativista; a apropriação do poder de julgar pelo povo dissemina a violência e destrói toda a estrutura de uma nação, mas pode limpar o judiciário dos maus juizes. É o juiz cidadão.

O juiz censor originou-se da desonestidade do juiz natural e pecou pela indecência no uso do poder paralelo; o juiz oficial atendeu aos reclamos da representação, mas alimentou as benesses do poder; o juiz corporativista desmantelou a desonestidade, mas facilitou o crescimento dos inseguros e incompetentes, fruto da fraqueza e da vaidade; enfim, o juiz paralelo ditado pelo movimento popular desacredita e desfaz toda a estrutura do poder, além de expor a comunidade à experiência nefasta dos irresponsáveis.

O prejuízo causado à comunidade pelo juiz natural está no espaço que deixa para a proliferação do juiz censor, do juiz oficial, do juiz corporativista e do juiz cidadão, enfim do juiz paralelo, despreparado para a missão de julgar. A comunidade exige seleção de bons juízes, fiscalização de seus trabalhos e de seu caráter, pois somente o bom juiz, o juiz natural é capaz de contribuir para a sustentação das estruturas democráticas de um povo.

            Salvador, 18 de agosto de 2014.


          Antonio Pessoa Cardoso.
         pessoacardosoadvogados.








Nenhum comentário:

Postar um comentário