quarta-feira, 10 de setembro de 2014

PITORESCO JUDICIÁRIO (XIII)

PETIÇÃO DE UM “BAXARÉU”.

A pérola abaixo, transcrita ipsis litteris, é digna de um “baxaréu”:
“Exmo Sr. Douto Juiz de Direito e Presidente da 4a J.C.J. desta capital Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba
(...), já devidamente qualificado nos conformes com notificação em anexo, em uma reclamatória que fizera outrora em CAUSA PRÓPRIA quando era estudante ainda, vem por meio desta dizer:
Primeiro:
Que, trata-se de uma reclamatória feito em causa própria, quando este era estudante ainda;
Segundo:
Que, naquela era vivia ou seja, morava em pensão ou república, e com isso vivia sempre mudando (algo já dito anteriormente) e neste ínterim sumiu o processo;
Terceiro:
Que, certa vez tinha um opala, no porta mala guardei uma mala vermelha e a mesma sumiu, com shorts de banho, book, e outras coisas mais, e até hoje não o encontrei;
Quarto:
Que, outra vez morava em uma república, e ali morava um japonez, e o mesmo não fuincionava bem da cabeça, e deu sumisso e objetos nosso.
Diante do exposto, reitero mais uma vez.
Não sei onde foi tal processo sua excelência, será que estava dentro da mala que sumiu do guarda mala? Será que tal japonez sumiu com ele? E além do mais, era em causa própra. Logo, tenho dado busca e não encontrei, por favor não sei.
Nos termos acima pede para dar como extinto e acabado tal assunto.
(Assinatura ilegível)
Curitiba, em 01/ julho de 1993.”

OFÍCIO
Cópia do inacreditável ofício nº. GVP-01, de 22 de janeiro de 1988, do Dr. ..., juiz vice-presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de ..., ao Dr. ..., Presidente daquele Tribunal, solicitando-lhe a aquisição de um pingüim de louça colorida:
”Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1988
ExmoSr.Dr.
DD Presidente do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal -
Senhor Presidente
Tenho a honra de dirigir-me a V. Exa. com fim de solicitar a aquisição de um pingüim para ser colocado sobre a geladeira que se encontra nesta Vice-Presidência.
O citado ornato deve ser de louça colorida com cerca de 20 centímetros de altura e poderá ser encontrado a preço módico no “Bazar Flor de Madureira” e na “Triunfante do Centenário”, o primeiro nesta cidade e o segundo no vizinho município de Duque de Caxias.
A razão do pedido se prende ao fato que havendo uma geladeira, nesta falta o ornamento do pingüim, encontradiço em todas aquelas que se prezam.
Assim, contando com o seu alto espírito público e estético reitero o pedido inicial.
Juiz Vice-Presidente
ANEXO:
Em aditamento ao oficio GVP-01-88, apresento a V.Exa. as seguintes considerações:
O pingüim é uma espécie encontradiça nos climas frios. Seu “habitat” é a Antártida, região onde o gelo é permanente. Ora, a geladeira também tem gelo - sempre. A compatibilidade binômio pingüim-geladeira, portanto, é inquestionável. Encimar uma geladeira com um elefante ou um leão, animais de países quentes seria incompatível com o bom senso. O pingüim não.
Se isto não bastasse, alinhamos outros argumentos:
Em recente pesquisa do IBOPE, constatou-se um resultado impressionante: 52% dos entrevistados afirmaram que possuem um pingüim sobre a sua geladeira; 28% que, embora não o possuindo, tinham vontade de tê-lo e só 12% declararam total desinteresse pelo assunto.
A presença do palmípede no posicionamento que se postula é numerosa nas tradições populares, nas regiões mais frias. No folclore gaúcho é conhecidíssima a trova:
”Vou me embora desta terra
com meu pingo e chaleira
pois aqui já não existe
um pingüim na geladeira”
Ou ainda, compilada no “Cancionero de la Patagonia”:
”No hay cana sin Jerez
Ni boca sin tu carmin
Riachuelo sin pez
Heladera sin pinguin
Ni Tribunal sin Juez”
Interessante é a anotação no “Diário de Bordo” da fragata “Beagle” que levou o cientista Darwin à Antártida, pelo seu capitão:
”Então mandei dois grumetes na captura de um pingüim que depois de empalhado, seria colocado sobre a geladeira do Senhor Darwin.”
Poderíamos ainda anotar muitas outras citações, porém, como sabemos que o tempo de V.Exa é precioso, limitar-nos-emos, para concluir, a apenas estas duas que julgamos de suma importância. Uma, é o trecho da carta do Conselheiro Almeida Roza, negociador do Tratado da Tríplice Aliança a seu colega argentino:
”Aceite, V.Exa. esta dádiva, que por certo não será tão útil quanto aquela que sua generosidade me concedeu - desde que o recebi, o pingüim encima a minha geladeira.”
A outra, é uma primorosa descrição do nosso grande Machado de Assis:
”Ademais, não seria tão absurdo, tendo em vista o seu erecto caminhar e a disposição de sua penugem, principalmente a de coloração negra, vislumbrar-se uma semelhança com nossas vestes telares.”
Assim, além dos motivos do pedido, em face da admitida semelhança, torna-se uma homenagem, pela visualização constante, aos membros desta Egrégia Corte.
Aproveitamos do ensejo, apresento a V.Exa. os protestos de estima e de antártica consideração.
Juiz Vice-Presidente".

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