domingo, 12 de outubro de 2014

SERVIDORES UNI-VOS

O “Manifesto Comunista”, de autoria de Karl Marx, em 1848, começa dizendo: 

“A história de toda sociedade existente até hoje tem sido a história da luta de classes”.

Os trabalhadores em Chicago, EE UU, no dia 1º de maio de 1886, repetiram o slogan: “Trabalhadores, uni-vos”, e assim estava criado o dia do trabalhador. 

Agora é a vez de os servidores do Judiciário estampar o slogan, “SERVIDORES UNI-VOS”.

O protesto e a insurreição é o caminho contra a caótica situação na qual trabalham nas comarcas e varas judiciais da Bahia. 

Os abusos com o excesso de trabalho, com as condições indecentes, perigosas e anti-higiênicas dos fóruns, com as metas oníricas do CNJ, com a inexistência de plano de carreira, de plano de saúde, com o sistema eletrônico lento, quando funciona, e confuso, mudando a cada ano, tudo isso e muito mais, convoca para um posicionamento sem mais delongas. 

O Tribunal de Justiça sempre se manteve em berço esplêndido, oferecendo todas as benesses para a segunda instância e esquecendo propositadamente daqueles que são os responsáveis maior pela movimentação da máquina judiciária. Nunca houve vontade política para solucionar o pandemônio no qual envolveram o Judiciário do Estado; a falta de verbas sempre foi o argumento para esquecer dos servidores, mas nunca se movimentou para buscar recursos, como ocorre com outros tribunais. O resultado é que essa atrapalhação, mantida no curso de décadas, não será resolvida tão cedo e o servidor não tem mais fôlego para esperar. 

Nesse período, muitos servidores ficaram no meio do caminho: morreram, foram afastados por invalidez, em virtude de doenças psicossomáticas, de depressão, de alcoolismo, no exercício da atividade; alguns trabalham sob prescrição médica, ou foram injustamente exonerados ou, finalmente, aposentaram-se voluntariamente, porque sem visualizar nenhuma perspectiva de melhora. 

A comunidade, os advogados queixam-se dos maus serviços, nas comarcas, nas varas judiciais e nos cartórios extrajudiciais privatizados, desde 2011, mas sem delegatários, jogados nos ombros dos servidores judiciais. 

Faltam servidores e os juízes ficam feito baratas tontas, pois não sabem a quem recorrer para cumprir metas irracionais do CNJ; nesse intento, e sem ter para onde invocar, obrigam-se a sacrificar quem está perto e encontram sempre um escrevente, sacrificado para ocupar uma, duas ou mais funções, nos cartórios judiciais ou extrajudiciais. Situação semelhante ocorre com o magistrado, substituindo uma, duas ou mais varas ou comarcas, tendo ainda de viajar para despachar em unidade que não é a sua.

Sacrificam os Oficiais de Justiça que usam seus salários no cumprimento de mandados e o reembolso só aparece muito tempo depois; criaram a figura do mandado positivo e negativo para discriminar o pagamento; no primeiro caso indeniza-se, mas no mandado negativo, que exige o mesmo trabalho a mesma despesa, oferecem estipêndio irrisório. 

Na condição de Corregedor, visitei Comarcas nas quais o servidor exerce substituição há mais de vinte anos, sem perceber a pecúnia devida, sem usufruir as férias anuais e tendo de trabalhar mais de oito ou doze horas diárias; notários de Cartórios de Registro Civil que labutam na própria residência ou que vão para o cartório com medicamentos para aliviar o stress provocado pela tensão entre a demanda dos jurisdicionados e a oferta da prestação jurisdicional. 

Não se pode negar que servidores e juízes prestam maus serviços aos jurisdicionados. 

Resta saber a motivação desse imbróglio, de quem a culpa dessa incongruência, pagar pelo serviço e atrasar na entrega do documento ou na prolação da sentença; finalmente, quais as providências a serem tomadas. 

Induvidosamente, nem o servidor nem o juiz podem ser tidos como causadores da lentidão e da ineficiência do Judiciário, posicionado em penúltimo lugar na produtividade, aferida pelo CNJ. Sem dúvida que a transgressão é do Tribunal de Justiça da Bahia. 

Os juízes começam a conscientizar-se da exploração a qual são submetidos, quando despacham no sentido de suspender andamento de processos, em vista da falta de servidor ou em função do enriquecimento ilícito. 

Uma magistrada despachou, recentemente, um processo nos seguintes termos:

“Tanto na iniciativa privada, quanto na esfera pública, a retribuição pecuniária por acumulação de funções é regra. Juízes estaduais, promotores estaduais, defensores públicos, procuradores estaduais, enfim, todos recebem mais por trabalhar mais. A Lei 13.024/14 seguiu este caminho, reconheceu o labor extra, fixando indenização devida em razão dele aos membros do MPU”. 

Finalizou:

“a União se enriquece ilicitamente com o labor desta magistrada há anos, enquanto acumula acervos de forma graciosa, sem nenhuma remuneração ou indenização, situação que não pode prosperar”.

Na Bahia, juízes estaduais, servidores estaduais nada ou pouco recebem pelo acúmulo de funções; pelo contrário, herdam processos de comarcas que substituem, de comarcas desativadas e agora de comarcas agregadas.

A maior e a mais inteligente invenção, para cortar de vez com qualquer subsídio pela substituição, deu-se com a agregação de comarcas na Bahia, que implica em remeter processos para juízes, nas comarcas-mãe, sem deslocamento do juiz para a comarca agregada, com o ônus dos processos e sem o bônus da remuneração. 

A situação do escrevente assemelha-se a de uma enfermeira, se a direção do hospital designá-la para assumir a função de médico sem nada receber por esse desvio de função.

Um BASTA é a resposta dos servidores, mas unidos e com o mesmo propósito de trabalhar dentro do horário, de tirar e utilizar as férias a que fazem jus, de não usar recursos próprios para o desempenho da função, enfim de rebelar contra as injustiças praticadas pela própria Justiça. 

“SERVIDORES UNI-VOS”.


Salvador, 12 de outubro de 2014.

Antonio Pessoa Cardoso.
Ex-Corregedor - PessoaCardosoAdvogados

2 comentários: