domingo, 7 de dezembro de 2014

O CDC E O INADIMPLENTE.

O Código de Defesa do Consumidor completou 24 anos de sua edição e a relação consumidor/fornecedor permanece conflituosa. 

O consumidor, principalmente os menos afortunados, continuam suportando grandes humilhações, quando deixam de honrar compromissos assumidos com o governo, com o empresário ou com terceiros. As cobranças de dívidas não pagas não se processam pelos meios legais, mas através de formas escusas. São os telefonemas e correspondências ameaçadoras, contatos pessoais com amigos de trabalho do consumidor ou com familiares, visando denegrir a imagem do devedor, chegando mesmo à agressão física e até à cadeia, sempre buscando molestar e abusar indevidamente o cidadão. Depois das intimidações partem concretamente para fazer justiça com as próprias mãos, desligando o serviço telefônico, cortando a energia elétrica, interrompendo a TV por assinatura, impedindo a freqüência às aulas, divulgando a ocorrência em publicações oficiais, fazendo protesto dos títulos e inserindo os nomes dos consumidores, sem aviso, nos cadastros de maus pagadores. As leis são bastante tímidas na fixação de limites à fúria possessa dos credores. 

A partir de 1988, com vigência da Constituição cidadã e posteriormente com o advento do Código de Defesa do Consumidor, recebe o cidadão tratamento mais adequado, apesar de ainda falho, e a práxis vigente é diminuída. A Lei n. 8.078/90 não se preocupou com a cobrança judicial, não se dedicou a proteger os maus pagadores, mas fixou alguns critérios para o procedimento extrajudicial. Buscou-se fundamentalmente salvaguardar a privacidade e a imagem do cidadão, limitando o ato de busca do crédito ao contato do fornecedor com o devedor, sem envolver a família e os amigos.

O inciso III, artigo 1º, da Constituição Federal, impôs respeito à dignidade do ser humano; os incisos V, X e XII, artigo 5º, protegem a intimidade, e a vida privada do cidadão, garantindo a inviolabilidade de dados cadastrais e punindo a transgressão a este direito; o parágrafo 5º, artigo 150, obriga os governos a esclarecer aos consumidores sobre impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Enfim, a Constituição eleva o direito do consumidor ao rol dos direitos humanos fundamentais, compatibilizando com a livre iniciativa e a livre concorrência, inciso XXXII, artigo 5º e inciso V, artigo 170. 

A inscrição do nome do devedor no cadastro de maus pagadores é prática que por si só presume ofensa à privacidade do cidadão, vez que são coletadas, armazenadas e divulgadas informações pessoais, sem autorização do informado. Essa nefasta conduta prossegue, causando muitos danos aos mais fracos. 

Inicialmente registre-se a proliferação de empresas privadas e públicas dedicadas ao cadastramento de consumidores para efeito de, fundamentalmente, analisar riscos na concessão do crédito; calcula-se em quase uma centena o número de empresas que se prestam a este ramo de atividade, figurando entre as mais conhecidas: SERASA, (Centralização de Serviços dos Bancos S/A), SPC, (Serviço de Proteção ao Crédito), CCF, (Cadastro de Emitente de Cheques sem Fundos), e CADIN, (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais não Quitados). 

A massificação da sociedade de consumo, o anonimato dos negócios e o lucro obtido no armazenamento e fornecimento de dados pessoais possibilitaram crescimento e poderes ilimitados para tais órgãos, transformando-os em verdadeiros tribunais de exceção, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVII. A depender das informações anotadas e independentemente de sua manifestação, o cidadão será ou não honesto, poderá ou não ter acesso aos bancos e financeiras, terá ou não crédito e, ultimamente, será ou não admitido no emprego que pleiteia. O comércio, a indústria baliza suas atividades creditícias pelos informes que recebem e exatamente por causa dessas ilimitadas movimentações exige-se do poder público cuidadosa fiscalização sobre o funcionamento desses órgãos. 

O consumidor inadimplente não pode ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, nem ser exposto ao ridículo, segundo dispõe o artigo 42 da lei consumerista. O descaso na observância dos limites enunciados pela lei implica em responsabilidade penal, administrativa e civil. A empresa que violou a imagem do consumidor responderá ainda por danos materiais e morais, inciso VI, artigo 6º. Aliás, dentre as práticas abusivas insere-se o repasse de “informações depreciativas referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos,” de conformidade com o inciso VII, artigo 39 CDC.

Expor o devedor ao ridículo é exceção à regra de cobrar sem humilhar. As escolas cometem este desvio de conduta, quando impedem acesso de alunos inadimplentes às aulas, os condomínios quando divulgam relação de devedores para conhecimento dos moradores, os empresários quando negativam o nome do usuário, sem prévia comunicação, por dívida questionada na justiça ou por dívida inexistente. 

O Ministério Público, a União, os Estados e os Municípios são legitimados concorrentemente para defender os interesses do cidadão, artigos 80 e 81 CDC, mas ainda não se vê implementação de órgãos públicos com atuação desassombrada, salvo os esforços do parquet. 

Salvador, 07 de dezembro de 2014.
Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.

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