O descrédito na reabilitação do preso nas penitenciárias do Brasil cresce na medida em que há carência de ação do governo para a prevenção e a carceragem torna-se mais uma escola do crime do que mesmo motivo de ressocialização. Há nítida violação ao disposto no art. 5º, XLIX da Constituição, que assegura a dignidade da pessoa humana; persiste a superpopulação carcerária, a falta de assistência jurídica, que provoca a continuidade de presos com penas já cumpridas. Por outro lado, a Lei de Execução Penal, arts. 85 e 88, estabelece que a pena deve ser cumprida em cela individual e assegura estrutura física do presídio na forma da capacidade da lotação.
A Comissão da Verdade reclamou a aplicação da Lei de Execução Penal de 1984 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil, em 1992. Assegura que essas duas leis nunca foram usadas em sua totalidade, no país.
Não serviu de lição os massacres registrados em Carandiru, SP, em 1992, do Urso Branco, Roraima, em 2002, da rebelião na Unidade Penal de Benfica, RJ, em 2004, do Espírito Santo, em 2006 e no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, no ano passado. As soluções improvisadas só aparecem depois de um massacre ou de uma grande rebelião. Passado o trauma, noticiado pela imprensa, já não se lembra do tratamento dispensado aos presos que mais parecem bichos nas pocilgas.
O Brasil é o terceiro no ranking de maior população carcerária do mundo, segundo informes do Centro Internacional de Estudos Prisionais de Londres – ICPS. Relatório do CNJ publicado em junho de 2014 aponta 715.655 presos, incluindo 147.937 de detidos em domicílios, para quase 1.500 presídios existentes no país.
O Ministério da Justiça informa que há 17 presos em ambiente que comporta apenas 10; não há separação de presos condenados dos provisórios, sem assistência jurídica, homens e mulheres misturados e muitos continuam detidos apesar de já terem cumprido as respectivas punições. Calcula-se que há uma morte a cada dois dias nas cadeias do Brasil. A situação é tão dramática que a cidade de Serra, região metropolitana do Espírito Santo, utilizou containers como celas.
Considerando os presos em domicílios, há um deficit de 200 mil vagas, sem contar com 358 mil mandados de prisão expedidos, segundo o Banco Nacional de Mandado de Prisão. A população carcerária passaria para 1.701 milhões de presos, se considerado os mandados não cumpridos.
Grande parte dos presos são detidos sem ter cometido crimes passíveis do encarceramento ou sem histórico de vinculação com o crime; quando são liberados, o tempo e a vivência no presidio ensinaram-lhe outro sistema de viver e a comunidade perde um cidadão, que se tornou criminoso em face do descuido do próprio Estado, e ganha um bandido.
A defensoria pública, que poderia aliviar a situação desses cidadãos presos indevidamente, praticamente não existe, pois das 2.680 comarcas do Brasil, apenas 754 possuem defensores públicos.
Dados do CNJ mostram que há mais mandados de prisão do que vagas nos presídios.
Por outro lado, a partir do ano de 2013, embrenhamos pelo sistema de penitenciárias privadas. A primeira foi inaugurada em Ribeirão das Neves, MG, através de contrato celebrado em 2009, no governo de Aécio Neves. Esse sistema implica em parceria público-privada na qual a gestão é desenvolvida pelo Estado, cabendo à empresa os serviços da construção da unidade, prestação de assistência social, médica, psicológica, educação profissionalizante, fornecimento de alimentação e até assistência jurídica.
Metade dos presidios privados do mundo situa-se nos Estados Unidos, implantado desde o ano de 1980, depois de fortissimo lobby. No modelo Americano, compete ao Estado apenas fiscalizar a atividade da empresa que administra o presidio. Na atualidade, as penitenciárias privadas americanas oferecem lucro bilionário e só no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares.
Um preso nas penitenciárias públicas brasileiras implica no gasto de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mês, mas na Penitenciária de Ribeirão das Neves, as empresas recebem em média R$ 2.700,00 por preso.
Muitos juristas questionam a constitucionalidade da privatização das penitenciárias, mesmo porque o poder punitivo é indelegável. A instalação desse novo modelo deu-se em função do sucateamento do sistema penitenciário brasileiro. O perigo reside no encarceramento em massa em busca dos grandes lucros que o sistema oferece, principalmente, se considerada a população carcerária brasileira que cresceu 380% em vinte anos, entre 1992/2012, segundo dados do DEPEN.
A diferença entre o presídio privatizado e o público situa-se na limpeza do ambiente, na organização, no uso da tecnologia que prevalece no primeiro, na assistência jurídica, enfim é o desmantelo do setor publico contrapondo à busca de ganhos do setor privado.
Salvador, 31 de janeiro de 2015.
Antonio Pessoa Cardoso.
PessoaCardosoAdvogados
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