segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

TRIBUNAIS DESMANTELAM AS VARAS JUDICIAS

Há, como já se disse, uma “república de juízes auxiliares”, nos tribunais superiores, causando sérias dificuldades para as comarcas e varas, provocando trabalho estafante para os magistrados que se mantém na judicatura. Interessante é que os convocados para funções administrativas são regiamente premiados e os que acumulam a atividade são drasticamente penalizados.

O juiz em disponibilizada no gabinete de um presidente, um corregedor, um ministro assume função administrativa, para a qual ele não foi concursado e deixa a missão judicante para a qual ele foi concursado; e o pior é que essa situação constitui impedimento para a designação de outro magistrado para a titularidade da unidade, que fica apenas com um substituto como ocorre com a comarca de Angical, porque o titular foi chamado para trabalhar administrativamente no Conselho Nacional de Justiça. 

A Lei Complementar n. 35, LOMAN, dispõe que “em caso de vaga ou afastamento por prazo superior a trinta dias, membros dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, poderão ser convocados juízes, em substituição, escolhidos por decisão da maioria absoluta do Tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial”. 

Essa mesma lei proíbe terminantemente o afastamento do julgador de sua atividade, excetuando apenas para frequentar cursos de aperfeiçoamento, para prestar serviço “exclusivamente” à justiça eleitoral e para exercer a presidência de associação de classe, art. 73 Lei Orgânica da Magistratura. 

Veda ainda, art. 107, a “convocação ou designação de juiz para exercer cargo ou função nos Tribunais, ressalvada apenas a substituição ocasional de seus integrantes”. 

Mas não adianta, porque os tribunais violam flagrantemente a regra, sabendo que estão desestruturando a jurisdição de uma comarca ou de uma vara, desguarnecendo exatamente a atividade mais frágil do sistema, consistente no julgamento e na falta de julgadores; aliás, desrespeito à lei por parte dos tribunais não causa mais surpresa, haja vista a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, legislando para conceder auxílio-moradia para todos os juízes inclusive para os que tenham imóvel próprio ou até mesmo para esposo e esposa, se magistrados. 

Os tribunais convocam, indiscriminadamente, juízes para exercer a substituição de desembargadores, ou chamam os juízes amigos para usufruir das benesses dos gabinetes, das diárias e de outras vantagens. O Tribunal de Mato Grosso, através de Resolução criou a figura do “juiz cooperador”. 

Acerca do assunto, o ministro Celso de Mello entende que a designação de juízes para a Corte superior não é constitucional e o ministro Marco Aurélio classifica como indelegável o ofício de julgar. 

Mas a dificuldade maior aparece, porque grande parte das designações ocorrem para retirar o magistrado de seu sagrado ofício de julgar e conferir-lhe missão administrativa que mais se ajusta aos excelentes servidores com vasto currículo ou mesmo a advogados.

No final de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral, através da Resolução n. 23.418 autorizou aos sete ministros o chamamento de um juiz auxiliar para cada gabinete; como recompensa, esses magistrados desviados de suas funções originais continuarão a receber o auxílio-moradia, mais 2,5 diárias na capital federal. Não se informou sobre o valor da diária, apesar de se ter conhecimento de pagamento efetivado no montante de R$ 583,00. Sabe-se que um juiz nessa situação ganha o salário do ministro, R$ 32 mil, mais a diária. Outro benefício, no caso do TSE, é que os juízes recebem duas passagens (ida e volta), por mês e, se não forem utilizadas, poderão ser acumuladas para o mês seguinte. 

No Supremo Tribunal Federal ocorre o mesmo fenômeno: o Presidente da Corte convoca até dois magistrados e cada um dos outros membros, em número de 10, poderão ter nos gabinetes mais um juiz. O CNJ chama juízes e desembargadores para o desempenho de funções administrativas; na prática, esse recrutamento não tem limite, pois desembargadores e ministros não se sentem nem um pouco constrangido quando decidem ou legislam em causa própria. No ano de 2012, o CNJ chamou 36 juízes de outros estados para auxiliarem aos conselheiros. 

Imaginem as dificuldades criadas para esses tribunais que já queixam da falta de juízes!

A maioria dos tribunais, consentâneos com orientação do CNJ, passsaram a deslocar juízes de primeiro grau para auxiliar na administração. É o caso das designações para auxiliar Presidentes, vice-Presidentes e Corregedores. Cada Tribunal de Justiça desmantela a movimentação das varas judiciais, diante da convocação de 15 ou mais juízes para auxiliarem nos confortáveis gabinetes ou em outros órgão administrativos, a exemplo dos precatórios. Não se questiona os bons serviços que esses magistrados prestam nessas funções, mas melhor seria se houvesse preparo de bacharéis para, no mínimo, diminuir o espaço vazio que deixam os julgadores e diminuir a carga pesada dos que ficam na missão de judicar. 

Sai o magistrado da judicatura de sua exclusiva competência para desenvolver função atípica na area administrativa. Vai redigir ofícios, fiscalizar os serventuários e os próprios juízes, além de outras atividades. São Paulo já chegou a convocar 39 para funções burocráticas; em outros Estados a situação mostra-se semelhante. 

Essa interrupção de atividade, de judicar para administrar, significa impedir a continuidade de julgamentos, vedar a movimentação de processos, desrespeitar a lei, dificultar a atividade dos que continuam judicando, penalizar o jurisdicionado e autorizar o exercício de função estatal atípica. Considere-se que nenhum membro dos outros poderes, nenhum outro profissional pode ser chamado para ocupar o espaço deixado pelo magistrado. Os processos recebidos e aqueles a serem distribuídos sofrem substancial atraso, simplesmente porque não há quem preenche o vácuo interrompido pelo juiz afastado. Somente um novo concurso é capaz de reparar os danos com a paralisação total do acervo do magistrado que foi indevidamente designado para outra função.

Há verdadeira banalização de assessoramento conferido a juízes que já são questionados, porque seu poder não emanou do povo e passam também a enfrentar a violação ao princípio do juiz natural e da desvinculação da judicatura para a administração.

Salvador, 26 de janeiro de 2015.

Antonio Pessoa Cardoso.
PessoaCardosoAdvogados.

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