quarta-feira, 1 de abril de 2015

O PRIMEIRO DE ABRIL DO SERVIDOR

Greve é cessação coletiva e voluntário do trabalho, mas nossa proposição vai de encontro a este conceito, pois tudo é invertido, quando se trata de servidor do Tribunal de Justiça da Bahia. Poderiam fazer uma greve para trabalhar dentro de seu horário, nos dias úteis, para a função para a qual foi concursado; poderiam iniciar uma greve, sem tempo para acabar, somente para trabalhar nos horários e nos dias úteis. Não podem, não devem ou não querem fazer.

Faz-nos lembrar a música de Paulinho da Viola:

“Os sonhos nos acalentam
os sonhos nos alimentam
coisas que no mundo não tem
e outro dia vem chegando
e a gente sempre esperando
aquilo que nunca vem
e o que passou foi embora
e o que vem não se sabe
sozinho a gente chora.

Bem que poderia ser mentira o que se narra abaixo, mas não é um primeiro de abril como gostaríamos que fosse!

Todas as leis diferenciam o tempo que deve ser ocupado com a saúde, com a família e com o trabalho. Há proteção para as férias, para o descanso noturno e semanal; para o servidor, no Judiciário da Bahia, não é verdade essa assertiva; invertem-se todas essas regras para se flagrar o servidor com mais de 20 anos sem férias; o outro que trabalha sob efeito de medicamentos ou o outro que se sente obrigado a sair de casa na noite ou no feriado para atender ao cidadão que reclama uma certidão, que busca uma sentença, que clama pelo registro do óbito.

É real, não é um primeiro de abril!

É um servidor sozinho para atender a gente faminta por justiça, gente que lhe quer bem, gente que sofre, gente que precisa urgentemente do empréstimo do banco, mas no Cartório não tem selo ou falta material de expediente; gente que precisa de qualquer documento naquela noite ou naquele sábado, mas são limitadas as possibilidades para atender àquele amigo.

E que dizer do servidor que acompanha o Juiz nas audiências que se prolongam até altas horas da noite!

Sabe-se que o juiz é também injustiçado, mas esse profissional é dirigente, ganha bem mais que o servidor e tem outras alternativas para minorar suas dificuldades. E o pior é que o servidor, diligentemente solidário com as agruras do magistrado, nada ganha, e o magistrado nada pode fazer, mas o teimoso continua iniciando suas atividades por volta de 7.00/8.00 horas da manhã e concluindo 12 (doze) horas depois. Esqueceu dos filhos e do marido e não podia ser de outra forma, pois a faina do dia não lhe deixa nem imagina que tem família em casa.

E o pior é que toda essa azáfama não lhe é compensada com melhor remuneração ou pelo menos com compreensão. Não há hora extra, mas, de sobra, há cobrança, por eventual deslize na incessante atividade do dia conturbado.

Junte-se ao prato de distorções, o não pagamento ao servidor que acumula uma, duas, três ou mais funções nos cartórios judiciais. É o escrivão que se torna escrevente e até oficial de Justiça, tudo junto, ou é o escrevente obrigado a exercer o cargo de escrivão, mesmo confessando inabilidade ou impossibilidade face à precariedade de sua saúde.

Penalizei bastante com os servidores designados para responder pelo Cartório de Registro Civil. O amontoado de gente, reclamando uma certidão ou um registro e uma funcionária sozinha, correndo para um lado e para o outro para bem servir, mas sem poder servir; de quando em vez, abre a gaveta de sua mesa, retira um comprimido, toma água e prossegue com a gritaria de cidadãos que pagam para ser bem atendidos, mas que deparam com servidores estressados que continuam ali para não perder o emprego. Ainda, recentemente, uma servidora, já alquebrada pelo tempo de serviço prestado a duas Comarcas nos Cartórios de Registro de Imóveis, sentiu o drama da negação de pedido de desligamento do cargo; de nada adiantou a alegação de saúde precária; continua lá, sofrendo no trabalho, amargurando em casa a antipatia, ainda que provisória, dos filhos e do esposo, originada da depressão, de um dia após o outro, não poder atender como gostaria aos seus conterrâneos que lhe pedem uma simples certidão.

Todos censuram seu procedimento; seus superiores só enxergam os graves erros cometidos, passíveis até de perder o emprego. Ele, ela não negam, a assinatura em documento, porque confiou no empresário amigo, que na busca de dinheiro, sacrificou a consciência do servidor. Ninguém para consolar-lhe, para entender as dificuldades que assume não porque quer, mas imposta pela espada da lei interpretada duramente.

Senti vontade para falar com o servidor nesse primeiro de abril, que se torna como um dia qualquer. Não há mentira para se comemorar, tudo o que se anota aqui é fruto de constatação pessoal, pois fui o único Corregedor da Bahia que, nessa condição, teve a honra de cumprimentar e escutar todos os servidores de todas as Comarcas do Estado.

E as confissões dessa gente não pode ser retratada em palavras.

Salvador, 01 de abril de 2015.

Antonio Pessoa Cardoso.
Ex-Corregedor - PessoaCardosoAdvogados.

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