No período fevereiro/2012 a outubro/2013, conforme traçamos na meta ao assumir a Corregedoria das Comarcas do Interior, visitamos todas as 235 comarcas do Estado da Bahia. Orgulhamos desse feito, porque único e, fundamentalmente, porque sentimos a gratidão dos servidores com nossa presença.
Com a autoridade de quem esteve presente em todos os fóruns, cumprimentou todos os servidores, todos os juízes, no BLOG levamos ao conhecimento dos operadores do direito e ao cidadão o cenário desolador das unidades judiciais do interior que sobrevivem, prestando péssimos serviços, sem que haja culpa dos personagens principais que, em algumas oportunidades, são agredidos moral e até fisicamente em função do pandemônio criado pelo Tribunal de Justiça, que não se sensibiliza com os obstáculos e nem se digna a responder às reivindicações urgentes, às vezes, promovidas pelos juízes ou servidores.
O exercício do cargo de Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia deu-me a oportunidade de conhecer todas as comarcas, todos os servidores e todos os juizes do interior, penetrando nos meandros da prestação do serviço do sistema judicial do Estado. Visitei algumas unidades, permanecendo pouco tempo, mas o suficiente para entrar em todas as salas dos fóruns, para cumprimentar e ouvir a todos os servidores e juízes. Nenhum Corregedor na Bahia e muitos poucos no Brasil conseguiram concretizar proeza semelhante, experiência sensacional, inigualável e que muito me enriqueceu.
Creio que o cargo de Corregedor deveria ser etapa indispensável para se chegar à Presidência do Tribunal de Justiça, principalmente das comarcas do interior, onde se tem um diagnóstico do verdadeiro funcionamento dos serviços do Judiciário.
Na condição de Corregedor, visualizamos as inadmissíveis deficiências da prestação jurisdicional, desde a falta de juízes, promotores, defensores públicos, servidores até a inexistência de prédio próprio para o fórum ou a carência de material de expediente. Nem se fala no abandono no qual mourejam os servidores, na omissão com o fornecimento de móveis e equipamentos indispensáveis para o trabalho ou com o descuido no atendimento às reivindicações mínimas dos servidores, a exemplo da manutenção da parte elétrica ou do telhado do prédio, prestes a ruir. Falta tudo nos fóruns, mas a criatividade dos servidores ainda possibilita a movimentação dos processos.
O desempenho do ofício de Corregedor trouxe-me grande realização profissional, não pelo que representa o cargo em si, mas pelo trabalho que realizamos junto aos servidores, abandonados nas comarcas sem nenhuma atenção dos órgãos superiores, lembrados somente quando convocados para cumprir metas ou quando sujeitos a eventuais sindicâncias por deslizes na atividade. De vez em quando aparece demissão de servidor e de cá lamento esse destino, pois a culpa maior reside nas autoridades por não orientá-los. Nós fizemos isso, mas é trabalho isolado. Visualizei o caso de uma servidora sozinha em um cartório extrajudicial; fechava o cartório para recolher custas em bairro distante, mais de um quilômetro; praticava todos os atos do ofício e terminou cometendo algum equívoco e, já com idade avançada, terá um destino que não merecia: foi demitida.
A empresa privada desenvolve sua atividade, buscando lucro, motivo de sua existência, enquanto o Judiciário tem como objetivo oferecer bons serviços ao patrão, o jurisdicionado; lucro e prestação de bons serviços constituem as bases para o empresário e para o magistrado. A diferença significativa entre um e outro reside no fato de que o funcionário trabalha sob a supervisão do patrão que lhe paga na medida em que produz, enquanto o servidor labuta para o cidadão, que é seu patrão, sem visualizar lucro, mas buscando somente a prestação de bons serviços.
Imagine-se a situação de uma empresa, que seleciona alguns funcionários, diz onde irão trabalhar, indica a cidade onde está instalada a empresa, oferece alguns computadores, alguns móveis estragados, designa um executivo para inspecionar a área e passa a exigir lucro da atividade! O dono da empresa não se sensibiliza com as reclamações, principalmente, a disponibilidade de maior número de funcionários, porque aumentado o fluxo de clientes implica em maior quantidade de pessoas e melhor estrutura do trabalho. A empresa vai à falência.
É assim o Judiciário na Bahia, no interior do Estado. Inimaginável, inacreditável o que se constata nas comarcas, quando se visita, de mente aberta e com disposição para escutar o servidor; ele não têm os requisitos mínimos para cumprir sua obrigação e prestar bons serviços e o Tribunal pouco importa com suas reclamações; prepostos do sistema só aparecem, cercados de processos de sindicância ou para fiscalizar o volume arrecadado com as custas judiciais. A abertura de sindicância é inerente a essa forma bruta de administrar.
Só quem conhece o dia a dia dos servidores das comarcas do interior da Bahia está apto a avaliar os obstáculos que se enfrenta na prestação do serviço jurisdicional. Eu já sabia disso, sou do interior, e tinha ciência da dureza para cumprir a meta, consistente em visitar as 235 Comarcas. Pela experiência vivida, entendia que o funcionário da Justiça reclamava atenção, queria ser escutado e não somente ouvido. Isso fizemos, porque escutamos todos os servidores do Judiciário da Bahia, mas os gritos não redundaram em atenção aos pedidos.
Contou-se com a devoção à causa de juízes auxiliares e servidores da Corregedoria para viajar 45 mil quilômetros em 20 (vinte) meses de trabalho. Passados mais de dois anos, a situação em quase nada mudou, salvo o castigo de desativar e agregar comarcas, como se fosse o remédio para melhorar a prestação jurisdicional.
A alegria estampada no semblante dos servidores contagiava a todos e reforçava o anseio de continuar no planejamento de visitar a todas as unidades. Encerraram-se as visitações a todas as comarcas da Bahia no dia 6 de setembro/2013 em Rio de Contas, onde os servidores de Livramento de Nossa Senhora e Rio de Contas celebraram o evento com uma placa comemorativa. Em Retirolândia, já se tinha uma placa festejando a comarca de número 100 visitada.
Mas o Tribunal comemorou o evento de outra forma: agregou a Comarca de Rio de Contas, retirando-lhe a condição de unidade jurisdicional, apesar das ponderações do que representava para a comunidade e para o próprio sistema judicial. À placa comemorativa, veio a extinção, com o que denominam de agregação. Lutou-se contra esse ato, mas não se conseguiu barrar a fúria de busca de dinheiro pela atividade jurisdicional. Para completar o desserviço faltou desativar ou agregar a comarca de Retirolânida que felizmente não aconteceu.
Que indigestão, quando se rememora o filme dessas andanças; fatos dolorosos, reprováveis, praticados por quem cuida de distribuir Justiça. Imagine uma escrevente, jovem moça, queixar-lhe pela forçada designação para responder por um cartório criminal; alega inexperiência, desconhecimento, reprovações em audiência, você “escrivã é burra”. Que dizer do Oficial de Registro, mostrando laudos médicos de sérios transtornos mentais ou da Oficial de Registro de Imóveis, já alquebrada pelo tempo de substituição, mais de 10 anos, sem bônus e sem conseguir desvincular da função que não é sua. Conseguimos resolver parte desse problemas no que era de nossa competência, removendo o servidor ou pedindo ao juiz paciência, mas a maioria das outras dificuldades continuam desafiando o bom senso do Tribunal de Justiça.
Vamos lembrar, nesse espaço, de boas ocorrências e de desastrosos acontecimentos.
Salvador, 15 de junho de 2015.
Antonio Pessoa Cardoso
Ex-Corregedor – PessoaCardosoAdvogados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário