No Estado Absolutista, o poder concentrava-se somente nas mãos de uma pessoa, o rei. A tripartição de poderes surgiu com a instauração do Estado Liberal. Firmou-se então o Legislativo, o Executivo e o Judiciário para, separada e harmonicamente, formarem os poderes que governam o Estado. É a teoria de Montesquieu.
Ao Legislativo compete produzir leis, mas como atividade secundária pode fiscalizar, administrar e julgar; o Executivo administra o Estado, porém cabe-lhe secundariamente legislar e julgar; o Judiciário diz o direito e, como função atípica, administra.
Existem as Casas legislativas e o representante do Executivo em todos os estados e nos municípios brasileiros; são os vereadores, deputados estaduais e federais, os prefeitos, governadores e presidente da República. Há uma busca incessante para transformar distritos em municípios.
A distorção acontece com o Judiciário que tem tribunais na capital da República e nos Estados, mas não dispõe de representação alguma nos municípios. Portanto, é o único dos três poderes que não se mostra presente nos municípios. Não deixa de ser uma incongruência, como, aliás, acontece em outros segmentos desse Poder, a exemplo da escolha de seus membros através de concurso, diferentemente dos outros que recebem o poder pela eleição; ou das férias de 60 dias, além de muitos outros absurdos.
Quem cuida de expandir os serviços legislativos e executivos são os legisladores, os prefeitos e os governadores, mas quem deve zelar pela ampliação dos serviços judiciários para as comunidades deve ser o Judiciário; essa entretanto não tem sido a realidade, porquanto os próprios magistrados sabem cuidar bem de seus vencimentos, a exemplo do auxílio moradia, auxílio educação e outros “penduricalhos”, mas não tutelam os direitos dos seus auxiliares, os servidores, e muitos menos dos jurisdicionados. Se assim procedessem estariam lutando para cumprir a lei e instalar comarcas em todos os municípios.
A Lei n. 10.845 de 27/11/2007 ainda em vigor, de iniciativa do Tribunal de Justiça, art. 20, dispõe:
“A cada município corresponde uma Comarca”.
Com essa norma, houve efetivo avanço, pois a Lei 3.731/79 estabelecia que “as Comarcas poderão compreender mais de um município,...”, diferentemente do dispositivo em vigor que assegura para cada município uma Comarca. O Tribunal além de não cumprir a lei, instalando Comarcas, retrocedeu, andando feito caranguejo, legislando para, através de Resoluções em 2012 e 2014, desativar e agregar Comarcas, sinônimo de extinguir. Essa situação implica em manter os gastos sem serviços, pois os prédios dos fóruns, onde existem, continuam sendo degradados, as casas dos juízes permanecem na unidade desativada ou agregada, estragando através do tempo, os servidores mantém-se no local e os jurisdicionados sofrem com a necessidade de deslocamentos para reclamar sua cidadania.
A incoerência, a pressa e o descuido com o sistema judicial é muito grande, pois cada gestor impõe sua vontade até para desandar, enquanto o Executivo e o Legislativo expandem-se, transformando distritos em municípios, sem nunca extingui-los.
Por que fechar comarcas? Não há recursos para mantê-las? Mas será que os gestores não sabem que a “justiça é o pão do povo” e, portanto, não foi criada para dar lucro para o Estado?
Para onde vão os recursos originados da arrecadação de impostos? Os gestores, lacradores de comarcas, respondem: essa não é minha atribuição, só sei que não temos recursos e não podemos continuar com Comarcas que não tem movimento, que não dão lucros.
Uma escola só funciona se tem professor e estrutura para atender aos alunos; um hospital só desempenha sua atribuição, se dispor de médicos, enfermeiros e de toda a infraestrutura necessária; uma empresa privada só produz lucros se tem produtos para venda, se dispõe de funcionários em quantidade suficiente para atender à clientela. Enfim, não se pode fechar uma empresa, sob a justificativa de que não dá lucro, se não há mercadoria para venda, nem dispõe de funcionários suficientes para atender à demanda; um hospital não pode ser desativado porque dispõe de poucos pacientes, se não tem médicos, nem enfermeiros; uma escola não pode ser desmontada se não tem professores; da mesma forma, uma comarca não pode nem deve ser fechada porque tem poucas demandas judiciais.
Se o Judiciário não têm representantes nos municípios, dever-se-ia manter ao menos os serviços do sistema para o povo, facilitando o acesso à Justiça para reclamar seus direitos e para o exercício da cidadania. Será que há exercício de cidadania, quando se obriga o cidadão a andar mais de 100 quilômetros para buscar a reparação de seus direitos ou para fazer um simples registro de nascimento?
Salvador, 27 de junho de 2015.
Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.
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