Já dissemos que o Estado criou para o empresariado nacional uma Corte Especial, denominada de “Justiça de Crédito”, mas não se exigiu estrutura semelhante à Justiça Comum; suficiente uns poucos funcionários que dispõem de tecnologia avançada, para aplicação da pena ao consumidor inadimplente em tempo real. O empresário, único favorecido com a criação do “Tribunal de Exceção”, não precisa de advogado para formalizar eventual pedido, mas basta sua determinação para comunicar aos órgãos auxiliares, à Corte da “Justiça de Crédito”, criados pelo governo, para estragar com a vida do consumidor inadimplente.
Não há morosidade nesse Tribunal que dispensa o contraditório, a instrução, depoimentos de testemunhas ou manifestação da parte e muito menos apresentação de documentos; nada disso é necessário para dizer o direito do empresário, que possui o poder de decisão, sem maiores delongas.
Os órgãos auxiliares da Corte são: SERASA, Centralização dos Serviços Bancários S/A -, criada para auxiliar os bancos e instituições financeiras; SPC – Serviço Nacional de Proteção ao Crédito –, CNDL – presta serviço à Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Além destes, há outros esteios da “Justiça do Crédito”, a exemplo do CCF – Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo -, operacionalizado pelo Banco do Brasil e que guarda dados de emitentes de cheques sem fundos, SCR – Sistema de Informações Crédito do Banco Central do Brasil –, que analisa riscos do crédito a ser fornecido, CADIN – Cadastro de Inadimplentes -, que possui dados dos devedores de tributos.
Esses órgãos, juntamente com a Corte de Exceção substituem com muito maior força os Juizados Especiais, as Varas, as Comarcas e os Tribunais de Justiça, porque “prolatam a sentença” assim que o consumidor deixar de pagar a dívida. Não se perde tempo para saber se houve culpa do banco no repasse do valor do débito, se houve equívoco do estabelecimento, quando anotou o nome de quem nunca comercializou com a credora ou se aconteceu algum problema impeditivo do pagamento, a exemplo de roubo de documentos e compra efetivada pelo meliante.
A “sentença” é padronizada: negativação do nome do consumidor apta a sufocá-lo na sua vida pessoal, comercial e empresarial. Não há necessidade de prazo para o trânsito em julgado da decisão e muito menos tempo para publicação e apresentação de recursos. Aliás, não se trabalha com recursos, pois a penalidade é imediata.
Os economistas calculam que, no final de maio/2015, mais de 56 milhões de brasileiros, portanto, metade da população, estavam com seu nome negativado, enfrentando as graves consequências que este fato implica na vida financeira. O “Tribunal de Crédito” recebe o poder do governo e pronto, não tem de prestar contas ao cidadão, mas precisa ajustar seu caixa. Não se obedece à própria Constituição, que estabelece o princípio constitucional do devido processo legal, art. 5º, além de as leis ordinárias traçarem procedimentos para condenação de alguém por algum erro ou fuga a compromisso assumido.
O mesmo Estado que criou a “Justiça do Crédito” também editou a Lei n. 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, no qual afirma ser necessária prévia consulta/notificação do inadimplente para aplicação da penalidade, art. 43, § 2º, além da Portaria nº. 5 de 27/08/2002, na qual o Ministério da Justiça reforça a determinação consumerista para considerar abusiva a cláusula que “autorize o envio do nome do consumidor e/ou seus garantes, a bancos de dados e cadastros de consumidores, sem comprovada notificação prévia”.
Tem outras consequências que servem para aprimorar a agilidade da “sentença” empresarial, como a comunicação aos bancos, às lojas, às pequenas e grandes empresas, às escolas, consórcios, aos supermercados, às concessionárias de serviços públicos, a exemplo das telefônicas, empresas de energia elétrica, água; as medidas terminar por bloquear e sufocar o coitado do consumidor que, por um motivo ou outro, não cumpriu na data programada, o compromisso assumido.
O emprego que estava arrumando blefou, o empréstimo bancário não conseguirá, eventual compra a crédito estará prejudicada; todas as portas do sistema financeiro, do comércio estarão fechadas para o “inadimplente”.
Se você é sócio de uma empresa e esta atrasa na liquidação de algum compromisso, o nome desta e de todos os sócios irão para o cadastro de maus pagadores, como se cada sócio, juntamente com a empresa, fossem responsáveis pelo atraso; não há aviso prévio, e todos sofrerão os danos que o “Tribunal de Exceção” impõe. Há, de certa forma, desconsideração da personalidade jurídica, sem formalidade alguma, como se exige no rito do Código de Processo Civil.
Salvador, 1º de julho de 2015.
Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.
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