sexta-feira, 3 de julho de 2015

AÇÕES JUDICIAIS NO IMPÉRIO.

A fraude, a corrupção no Brasil remonta ao seu descobrimento. A primeira correição, feita pelo Desembargador Pero Borges, em outubro de 1549, nas Capitanias do Sul, constatou fraude no Tesouro com apropriação indébita da dízima; foi preso o criminoso, André do Campo, que era filho do donatário de Porto Seguro, Pero do Campo Tourinho. 

A Corte maior da metrópole e das colônias, situava na Casa de Suplicação; existia apenas uma em Lisboa que decidia em último grau todas as demandas de todo o reino português, com força vinculante; os tribunais de 2ª instância foram criados posteriormente e denominados de Casas de Relação, sediadas no Porto, Portugal, na Bahia, Brasil, e em Goa, India. Somente esses três tribunais para apreciar todos os recursos de toda a área territorial pertencente a Portugal. 

A legislação colonial foi resultado de conflitos entre os senhores de escravos e as autoridades coloniais. As leis que regulavam a escravidão eram locais. A Coroa preocupava-se em impedir o luxo de escravos e o abuso dos castigos praticados pelos senhores, mas, por outro lado, cuidava para não interferir no direito de propriedade do senhor sobre seu escravo. 

A partir do século XVI foram transportados para o Novo Mundo cerca de onze milhões de africanos. A economia do Brasil sustentou-se basicamente na escravidão. Neste tempo, o direito contribuiu sobremaneira para perpetuar a propriedade dos senhores sobre seres humanos, os escravos. 

As doações das Capitanias se processavam com o recebimento pelos donatários de amplos poderes, como se vê num Foral de D. João III:

“Nos casos de crime hei por bem que o dito capitão e Governador e seu Ouvidor tenham jurisdição e alçada de morte natural, inclusive em escravos e genitores e assim mesmo em peões, cristãos, homens livres em todos os casos, assim para absolver como para condenar sem haver apelação nem agravo e nas pessoas de maior qualidade terão alçada de dez anos de degredo e até cem cruzados de pena sem apelação nem agravo.” 

Na área criminal as penas mais comuns eram: multas, degredo, ou seja, obrigação de residir em determinado lugar, marcação com ferro para identificar os criminosos praticantes deste ou daquele delito, espancamento e morte por enforcamento ou decapitação. Mas, na aplicação das penas, o tratamento era diferenciado a depender “da maior qualidade” do infrator. 

Corria no Judiciário, então, dentre outros os seguintes tipos de ações judiciais: Ação de Liberdade, pela qual um conjunto ou um escravo buscava sua libertação do seu “dono”; Ação de Manutenção de Liberdade, através da qual um liberto procurava a justiça para manter seu status, porque temia a re-escravização; Ação de Escravidão de autoria do proprietário de escravo, sob alegação de que tal ou qual cidadão passava indevidamente por livre sem ser. Discutia-se, nesta demanda, a legitimidade da passagem da liberdade para o estado de escravidão do servo. Arguia-se a condição de escravo e a propriedade do autor da questão. Havia também ações judiciais reclamando prejuízo pela compra deste ou daquele escravo; outras causas comuns nos tempos atuais, existiam naqueles tempos, como foi o caso de uma senhora, chamada Pulquéria, que requereu divórcio, porque recebia surra do marido, Custódio. 

Em 1826, registrou-se um caso singular na Bahia: o senhor de uma escrava utilizou o argumento de ingratidão da liberta para requerer a extinção da alforria; fundamentou o pedido em dispositivo das Ordenações Filipinas. Documentos eram utilizados para alicerçar este tipo de ação, tais como a validade de documentos, cartas de alforria, assentos de batismo, testamentos.

O fundamento de ingratidão do escravo, para embasar a Ação de Escravidão, já não era aceito, porque a Constituição de 1824 assegurava o direito do cidadão, e quando o escravo recebia a alforria apossava também da cidadania que não comportava revogação. 

Os pedidos de alforrias eram numerosos no século XVIII, diminuindo no século XIX com a vigência da Lei n. 2.040, de 28/09/1871, que tratou do fim do regime servil. Na verdade essa lei denominada de Lei do Ventre Livre declarava livres os filhos de mulher escrava que nascessem desde a data da lei e libertos os escravos da Nação. Por sua vez, outra lei datada de 7/11/1831, declarava “livres todos os escravos que entrassem em território ou portos nacionais, vindos de fora”. Luis Gama, negro e vendido como escravo pelo próprio pai, iniciou os estudos de direito e, na condição de rábula, conseguiu a liberdade, em juízo, para mais de 500 escravos, servindo-se das leis de 1831 e da Lei Eusébio de Queiroz, de 1850. 

Calcula-se que na primeira metade do século XIX quase 1.700.000 africanos desembarcaram no Brasil; entre 1550 e 1850 mais de 4 milhões de africanos foram deportados para o Brasil.

Proibiu-se a revogação da alforria no Brasil e os escravos conquistaram o direito de ir à Justiça pleitear a liberdade mediante indenização aos seus senhores, independentemente da anuência deles. No julgamento o juiz buscava laudos de vários avaliadores para fixar o preço do escravo, diante da valorização, resultado da pressão dos ingleses; adveio, então, a Lei de 1831 e, posteriormente, a Lei Euzébio de Queiroz, de 1850. 

Fugas, crimes, ações judiciais eram os recursos servidos pelos escravos para obtenção da liberdade, tornada difícil, em virtude do crescimento do valor da “mercadoria”.

Narra-se, por exemplo, a demanda da escrava Constança, que em 1874 propôs ação para arbitramento de sua liberdade; Leopoldino, seu senhor, recebeu 300 mil réis e a escrava propunha mais 200 mil réis na Justiça para obter sua liberdade; Leopoldino pretendia 1 conto e 100 mil réis, pois alegava que a negra fora avaliada em 500 mil réis um ano antes, daí porque Constança queria um novo arbitramento. 

Na metade do século XIX, a viúva, Inácia Florida Correia, através de seu filho, requereu revogação de liberdade concedida a dois crioulos, denominação dada aos negros nascidos no Brasil, Joana e Desidério. Alegou-se anulação, porque não cumpriam as condições impostas por ocasião da alforria, dentre as quais a obrigatoriedade de servir à antiga proprietária, enquanto vivesse. Além disto, os réus faziam gestos e proferiam palavras ameaçadoras, saiam de casa e voltavam, quando quisessem e até permaneciam dois, três dias fora de casa; também queriam andar apenas calçados, direito apenas dos negros livres. Explica-se que esse processo originou-se do interesses pessoal do filho de Inácia, que perderia o direito de herança, se mantida a alforria. Este fato provocou muita polêmica, no século XIX, a exemplo da situação do filho de uma escrava liberta, mesmo diante do fato de não cumprimento da condição fixada para ratificação da liberdade. 

Na verdade, dizem os historiadores que a libertação dos escravos não era decisão somente do proprietário, pois, em muitos lugares, como no Sul dos Estados Unidos, a situação era imposta pelo sistema.

Salvador, 3 de junho/2015.

Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.

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