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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A ENERGIA ELÉTRICA E O CONSUMIDOR.

No século passado promoveu-se reforma gerencial do Estado, redefinindo o sistema vigente de administração pública, no processo de desestatização e de necessidade de efetiva fiscalização dos serviços públicos delegados. Entendeu-se que deveria ser reservado ao Estado o planejamento, as estratégias e o desenvolvimento infraestrutural, atividades macro; resolveu-se “terceirizar” para empresas privadas, ou mesmo mistas, certas atribuições originalmente de competência do ente público, mas que oferecem muitas dificuldades para serem executadas, diante do crescimento da demanda e da própria burocratização estatal. 

Houve verdadeira revolução econômica, quando se constatou a incapacidade do Estado-empresário, mas o fato nunca deixou de ser real.

Na era Vargas, a descentralização e o fortalecimento do Estado no domínio econômico, promoveram a criação de autarquias, pessoas jurídicas de direito privado, aptas ao desempenho de funções administrativas e comerciais; essa sistemática foi ampliada nos governos militares com significativas concessões de crédito às empresas privadas que se tornaram sociedades de economia mista ou empresas públicas. 

Somente no final do século há reação a este modelo e começa-se a privatização. O “Programa Nacional de Desburocratização”, originado da mente sadia do ministro Hélio Beltrão, Decreto n. 83.740 de 18/07/1979, atesta a incapacidade do Estado. 

Os serviços ferroviários, telecomunicações e energia elétrica, prestados pelo Estado, são transferidos para empresas privadas mediante concessão, permissão ou autorização, nascendo assim as agências reguladoras, destinadas a exercer o controle “dos contratos de concessão e a fiscalização dos serviços e das concessionárias, editando normas regulamentares, reprimindo condutas abusivas e até resolvendo conflitos entre os agentes, envolvidos na prestação de determinado serviço público”. 

O processo de desestatização, que se caracteriza por “desembaraçar o Estado de funções próprias do setor privado”, deu-se início com a privatização de estatais, a exemplo da Light, em 1991, da Vale do Rio Doce, em 1997, concluído o ciclo com a venda da Eletrobrás, em 1998.

A Constituição de 1988 determina que ao Estado caiba a exploração direta de atividade econômica, apenas quando necessária aos “imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo...” 

As agências reguladoras foram inspiradas em experiências internacionais, fundamentalmente na sistemática americana, como entes de natureza pública, independentes em relação ao Poder Executivo; as leis especiais conferiram-lhes os poderes de mediação, arbitragem e normativos, sempre visando preservar o interesse comum, que pode não coincidir com as pretensões dos governantes. Esses órgãos são entidades de Estado e não de governo; há diferenciação entre os órgãos do governo, cuja diretoria é renovável, em termos de condução, a cada período eleitoral, o que não deve ocorrer com as agências reguladoras, porque programadas para solucionar embates entre estas e os usuários, em longo prazo. 

As primeiras agências reguladoras no Brasil foram o Banco Central do Brasil, BACEN, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE, Conselho Monetário Nacional, CMN e a Comissão de Valores Mobiliários, CVM.

O Projeto de Lei n. 3.337/2004, que tramitou no Congresso Nacional até o ano de 2013 foi arquivado, por decisão da presidente Dilma Rousseff, alegando que a legislação atual já basta; esse fato provocou protestos por parte dos parlamentares. 

Assim, as decisões administrativas das agências reguladoras continuam sujeitas à apreciação do Judiciário, mesmo porque a Constituição Federal, art. 5º, XXXV impõe essa situação, face à inafastabilidade da jurisdição. 

Não há lei geral para regulamentar a criação dessas entidades, mas existem normas instituindo esta ou aquela agência reguladora que definem suas atividades. 

A Agência Nacional de Energia Elétrica, ANEEL, criada pela Lei n. 9.427 de 26/12/1996, está vinculada ao Ministério das Minas e Energia, tem por fundamental motivação estabelecer o equilíbrio econômico para evitar a falta de energia no mercado consumidor, impedir o monopólio e o lucro exagerado, além de fiscalizar os preços e a qualidade do serviço e possibilitar a criação de novas tecnologias com novos investimentos. A garantia de tarifas justas e a universalização dos serviços constituem meta da ANEEL. 

A ANEEL é administrada por diretoria composta de um Diretor-Geral, mais quatro diretores, sendo todos escolhidos pelo Presidente da República, depois de aprovação do Senado Federal; o órgão conta ainda com uma secretaria executiva, sendo técnicos a maioria de seus membros, câmaras técnicas especializadas e uma unidade fiscalizadora das relações entre usuários e concessionárias. Possui vinte superintendentes e um quadro de funcionários de carreira. A entidade tem independência administrativa, financeira e técnica e não se submete à hierarquia de outro órgão público. 

Os mandatos de seus dirigentes têm duração de quatro anos e não coincidem com o tempo do governo do presidente da República. 

A lei prevê a criação de agências reguladoras no âmbito dos Estados, mas nem todas as unidades federadas possuem tais órgãos. 

A energia elétrica é um bem público e como tal essencial, portanto, deve está ao alcance de todos os brasileiros; isso, entretanto, não ocorre, pois o mercado capitalista, que busca primeiramente o lucro da atividade, e o governo, ganancioso por impostos, dificultam a vida do consumidor, quando cobram preços altos dos pequenos e tarifas baixas dos consumidores livres, que são os grandes consumidores. Além desta escorcha, o governo embolsa 47% somente de encargos. 

Em dezembro último, a ANEEL baixou a Resolução n. 414 proibindo as concessionárias de energia elétrica de cortarem o fornecimento do serviço essencial ao consumidor depois de 90 dias de atraso. Para efetivarem a suspensão deverão expedir aviso com 15 de antecedência. Depois de três meses sem essa drástica providência não haverá corte, mas cobrança pelos meios judiciais. Mesmo assim, não deixa de ser medida violenta, pois o proprietário de imóvel não pode despejar o inquilino que atrasa no pagamento do aluguel, também as empresas devem acionar a justiça para recebimento de eventuais contas atrasadas, ainda mais quando se trata de serviço essencial. 

Até 1993, as tarifas de energia eram uma para todo o Brasil; atualmente são diferenciadas e obedecem a particularidades de cada região, a exemplo do número de usuários do sistema, do tamanho do mercado, além de outros itens que são considerados para fixação da tarifa. Isto não impediu o crescimento das tarifas ao ponto de colocá-las entre as mais altas do mundo, apesar de o custo de produção ser um dos mais baixos do planeta. Explica-se esta situação pelo alto grau de rentabilidade e pelo baixo risco conferido às empresas distribuidoras e geradoras. Registre-se que 85% da energia elétrica em nosso país continuam sendo gerada através do combustível água, portanto, custo quase zero, potencial desfrutado por muitos poucos países no mundo. 

Há situações inexplicáveis nas fixações das tarifas de energia. A Companhia Energética do Maranhão, CEMAR, cobra 72% mais caro do que a Companhia Energética de Brasília, CEB; a incongruência situa-se no fato de que Brasília possui a renda per capita mais alta do país e Maranhão a menor. 

Desta forma, é fundamental a fiscalização e controle dos preços e da qualidade dos serviços, dois elementos fundamentais para o bom funcionamento dessas agências reguladoras. 

Essas entidades têm o dever de auxiliar o Estado no cumprimento de suas obrigações constitucionais, na presteza e eficiência dos serviços públicos. 

Os Procons e a justiça recebem maior número de reclamações exatamente das empresas fiscalizadas pelas Agências Reguladoras: telefonia, energia elétrica, planos de saúde, cartões de crédito e serviços bancários. 

A ANEEL, assim como as outras Agências Reguladoras, tem como objetivo proteger o consumidor que deve procurar orientação nessas agências assim que encontrar imperfeição no serviço prestado, pois elas possuem competência para traçar estratégias de médio e longo prazo em favor da boa prestação do serviço. 

O Decreto n. 2.335 de 6/10/1997 estabeleceu que à ANEEL compete estimular a organização dos Conselhos de Consumidores.

A ação da ANEEL envolve a administração de um setor que contribuirá bastante para o aumento da inflação, pois somente no corrente ano, segundo estimativas do Banco Central, deve haver um aumento médio de energia no percentual de 43,4%; sabe-se que este órgão sofre intervenção direta do governo, porque sempre conta com a fragilidade das diretorias que ele próprio nomeia. 

As Agências Reguladoras deviam ter representante dos consumidores, mas, ao invés, são dirigidas por pessoas com alguma vinculação com as empresas que eles têm a incumbência de fiscalizar. Esses fatos mostram a ineficiência desses órgãos na fiscalização da boa qualidade dos serviços públicos, protegendo assim o direito do consumidor, pois nunca conseguiram solucionar os maus serviços dessas empresas. 

A universalização da energia elétrica na área rural até o ano de 2015 constitui objetivo das concessionárias, mas em 2003, o governo baixou o Decreto n. 4.873 de 11/11 antecipando o acesso à energia elétrica de todos os brasileiros do meio rural para o final do ano de 2010. A meta não foi alcançada. 

Além de outros fatos, a demonstração da pouca eficiência das agências reguladoras verificou-se no erro de metodologia de cálculo do reajuste tarifário das contas de energia elétrica, descoberto pelo Tribunal de Contas da União. As empresas não repassavam os ganhos de escala e eficiência de serviço para o consumidor. Tal equívoco gerou pagamento a maior, desde o ano de 2002 até 2009, para as distribuidoras, no montante de R$ 1 bilhão por ano, mas a ANEEL corrigiu o erro e negou-se a determinar a devolução das tarifas pagas a maior. Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Tarifas de Energia Elétrica da Câmara dos Deputados concluiu pela obrigatoriedade de as distribuidoras devolverem para os consumidores todo o valor pago. O assunto está também sendo questionado na Justiça, através de Ação Civil Pública. 

Apesar dos debates travados sobre a real função das Agências Reguladoras, o certo é que não se chegou a um consenso sobre a real função dessas entidades, daí a falta de lei para regulamentar, em caráter nacional, suas atividades. 

Salvador, 10 de agosto de 2015.

Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.

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