A Corte Especial, criada pelos bancos e pelos empresários, que denominamos de “Justiça de Crédito” ou “Tribunal de Exceção,” continua a desgraçar com a vida do consumidor. Basta a fumaça da inadimplência, pois não é necessária a comprovação da dívida, para que essas entidades, eminentemente capitalistas, vomitem sobre o cidadão que, inadvertidamente ou não, deixou de pagar um compromisso, por mínimo que seja o valor. Essa golfada de excrementos arrasa com a vida do devedor, que ainda tem a obrigação de pagar por eventual consulta aos órgãos creditícios.
As compras sem pagamentos que causam desenfreadas negativações são originadas, em grande parte, do massacre publicitário do próprio governo, que incentiva o consumo, ao invés de encorajar a poupança, das enormes facilidades de acesso ao crédito, que embaralha a mente do consumidor necessitado; tudo isso provoca isolamento econômico, face ao superendividamento, mau maior nessa situação na qual se envolveu o cidadão.
O Brasil, somente no ano passado, acomoda um exército de desempregados, mais de um milhão e quinhentos trabalhadores perderam o emprego. Junte-se o calote dos governantes, quando não pagam ou atrasam no pagamento dos salários dos funcionários; acrescente o verdadeiro “roubo” dos cartões de crédito que incentivam a dilação do prazo para pagamento da dívida, mediante a cobrança de juros superiores a 10% ao mês.
Onde vai parar o consumidor?
É invejável a estrutura da “Justiça de Crédito” com os poucos funcionários, mas com tecnologia avançada para movimentar-se sem burocracia e com agilidade surpreendentes; nesse sistema não se necessita de sentença para dizer o direito, não se reclama o contraditório ou eventual indagação acerca do motivo pelo qual o cidadão não fez o pagamento, mesmo sabendo-se que ocorrem roubos de documentos e compras efetivadas por meliantes.
Considere o fato de que nesse tipo de “justiça” há apenas um favorecido, o empresário, o banqueiro; sua funcionalidade deixa o Judiciário andando a passos de caranguejo com o emperramento da máquina enferrujada e que não se presta para atender ao povo. Aliás, a Justiça sentindo-se impotente, já busca socorro junto “ao Tribunal de Exceção”, quando autoriza o uso de instrumentos para forçar o devedor a pagar suas dívidas. Trata-se do protesto da sentença condenatória na Justiça Comum com notificação para que o devedor pague em três dias, sob pena de uso dos expedientes servidos pela “Justiça de Crédito”: lavra-se o protesto no cartório e segue-se a negativação nos órgãos competentes, que amedrontam pequenos e grandes, mas o efeito é devastador sobre o pobre, porque perde a dignidade até para obter emprego.
O empresário, único favorecido com o funcionamento do “Tribunal de Exceção”, não precisa de advogado para formalizar eventual pedido de negativação contra o devedor, não necessita de prazo para trânsito em julgado, mas basta sua determinação para comunicar aos órgãos auxiliares, à Corte da “Justiça de Crédito”, criada pelo governo, para estragar com a vida do consumidor inadimplente.
O universo do pobre é diferente, porque não lhe resta alternativa para reclamar o que é seu, que não seja o uso da desarranjada Justiça Comum, com toda a burocratização, falta de estrutura, carestia e lentidão. Os Juizados Especiais, instituídos para solucionar com rapidez, sem custos e sem burocracia às pequenas reclamações, já não se prestam para atender ao cidadão que terá de submeter-se aos entraves burocráticos e à lerdeza.
Imagine a azáfama pela qual passa o cidadão que compra um eletrodoméstico e ao chegar em casa descobre defeito impeditivo de uso do produto. O Judiciário impõe-lhe ritos para a busca do seu direito; são providências não exigidas, por exemplo, com as empresas delegadas, como a Coelba ou a Embasa, que brutalmente corta o produto vendido, a energia ou a água, interrompendo um serviço contínuo, sem usar a máquina oxidado do Judiciário, fazendo justiça com as próprias mãos.
Será que o consumidor pode devolver o produto com defeito comprado e pago e receber de imediato o valor desembolsado? O coitado que afrontar a prática processual, poderá parar na cadeia.
São Paulo saiu na frente para impedir que se achicalhe com a dignidade do cidadão; a Lei n. 15.659/2015 impede que as empresas coloquem um nome na lista suja, sem comprovação legal da dívida e sem antes expedir notificação com Aviso de Recebimento; essa providência impediu a colocação no lixo de mais de 8 milhões de consumidores endividados, no ano passado. Quem mais amargou com a providência foram as concessionárias de serviços públicos, parceira do governo e que não se preocupa com a miséria do cidadão desempregado e endividado.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 781/15, visando impedir que a situação de inadimplência financeira constitua obstáculo para o trabalhador conseguir emprego público ou privado. O nome negativado é consequência da perda de emprego e o paradoxo que se depara é assustador, pois o desempregado permanece inadimplente porque não encontrou emprego e não consegue emprego porque está inadimplente. É matéria que bem se adaptaria ao “Samba do Crioulo Doido”, do cronista carioca Stanislaw Ponte Preta. O autor do Projeto acima, senador Marcelo Crivella, assegura que as empresas podem ter a liberdade para contratar, mas não recusar a admissão de uma pessoa porque tem seu nome negativado; essa situação implica em atentado contra a liberdade do trabalho, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana.
Salvador, 22 de janeiro de 2016.
Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.
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