Recentemente, as grandes bancas de advocacia, defensoras de grandes empresários e políticos acusados de corrupção, aborrecidos com decisões que não lhes agradaram, insurgiram-se contra juízes que enfrentam as mais intrincadas dificuldades e pressões para cumprir seus deveres, ainda mais quando se trata de punir o homem rico. Invocaram “subversão do sistema penal no país” para explicar o insucesso na liberdade de seus clientes, que respondem a vários crimes por desvio do dinheiro público. Esses causídicos chegam a afirmar que está mais difícil advogar hoje do que no tempo da ditadura.
Vale breve reflexão sobre a Justiça Criminal.
Na teoria, a Justiça é una, igual para todos, mas, na prática, não comporta dúvida de que é servil para tratar dos interesses dos poderosos e repressiva para beneficiar os pobres. Começa pelos obstáculos que enfrenta a classe menos favorecida para servir-se das permissões legais oferecidas pelo processo penal e passa pela absoluta falta de estrutura da polícia, que prende os assaltos nas ruas, a exemplo do furto de um creme no supermercado, mas não dispõe de meios para investigar os crimes mais complexos, como a corrupção, a lavagem de dinheiro.
Os avanços no Brasil para aplicação do direito penal em crimes cometidos por gente graúda não correspondem ao que a sociedade espera, mas, houve evolução, mercê do trabalho, coragem e preparo desenvolvidos por magistrados. Isso entretanto, em nada modificou o tratamento dispensado para os menos favorecidos que continuam com os mesmos obstáculos para reclamar seus direitos.
Poucos eram os poderosos, presos pelo cometimento de crimes de maior calibre. Estudo da Associação dos Magistrados Brasileiros revelou que entre 1988 e 2007, portanto 18 anos, nenhum agente politico foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal e, nesse tempo, o STJ condenou apenas cinco autoridades. A partir de 2013, com a Ação Penal n. 470, Mensalão, são condenados doze réus por corrupção ou suborno.
No Mensalão, como agora, as grandes bancas de advogados ficam indignadas diante das prisões e condenações de seus clientes, daí classificarem de julgamentos de exceção!
O homem do poder ou do dinheiro, na consumação de qualquer crime, dificilmente ia para a cadeia. Pesquisa do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN - informa que em 2013 dos 548 mil presos no Brasil, apenas 722 respondiam a processos por corrupção; esses números representam o percentual de 0,13% sobre o total de encarcerados no sistema prisional. Considere-se os valores desviados, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, mais de 200 bilhões por ano, para se concluir como funciona mau a Justiça Penal. Essa informação mostra que mais de 99,0% da população carcerária responde por outros tipos de crime, num país, onde a corrupção é endêmica.
As leis penais muito brandas, a ineficiência da polícia por falta de infra-estrutura, o excesso de recursos, o uso abusivo do Habeas Corpus e a deficiência de material humano são os maiores males que provocam o direcionamento da Justiça Criminal para promover o controle social entre os pobres.
O resultado dessa Justiça capenga atinge, fundamentalmente, os desprotegidos que não dispõem de recursos para contratar advogado e se obrigam a buscar a Defensoria Pública de sua cidade; assegura-se que mais de 90% da população carcerária, no Brasil, necessita dos serviços dessa entidade, mas sabe-se que em torno de 70% das comarcas não possuem esses profissionais, apesar da importância que lhe é conferida pela sociedade, 40% emitiram o conceito de ótimo/bom, segundo pesquisa da Praxian Business & Marketing; há claro descuido institucional com esse órgão, considerado “instituição essencial à função jurisdicional do Estado”.
Para se aquilatar o desnivelamento dessa situação, suficiente saber-se que, além de poucos defensores, existe excesso de demandas, causando transtornos para a defesa do cidadão.
A desigualdade econômica e social aprofunda o fosso separatório de uma Justiça Criminal que deveria ser igual para todos, ricos e pobres; há benefícios para os mais abastados e complicação para os menos aquinhoados; é o que ocorre com as regalias consistentes no foro privilegiado, na prisão especial e outras prerrogativas desconhecidas do homem comum.
A Justiça Criminal é classificada por alguns como instrumento de poder da classe mais abastada para alicerçar suas conveniências; questionável a afirmação de que se presta para proteger a sociedade; aceita-se ou não essa teoria, é inegável os fortes e centenários vínculos existentes com a classe mais favorecida.
A Justiça Criminal atua em duas versões: econômica e social. econômica é caracterizada pela força do dinheiro na apurada técnica de defesa desenvolvida por bons e influentes advogados; enquanto a Justiça social é assinalada pelo conceito social do infrator, que não dispõe de meios para produzir sua defesa e se obriga a aceitar o que lhe é oferecido, com todas as deficiências inerentes no sistema.
A alardeada impunidade da Justiça Criminal é verdadeira somente quando apreciada sobre o ângulo diferenciado de tipo de crimes, de autores de delitos; os presídios tornaram-se depósitos para onde levam os pobres, que terminam sendo retirados da sociedade, em função de pequenos delitos.
A avaliação dos danos que acarreta ao pobre, em função da precária defesa técnica, é comprovada pela existência somente de julgador e acusador, sem a defensoria pública, além do princípio da presunção de inocência, que beneficia uns, porque com bons advogados, aptos a perenizarem o processo e castiga outros que não tem como defender-se.
Enfim, a redução da criminalidade não está atrelada às práticas atuais, mas situa-se em outro nível politico como o acesso à educação, à saúde e à dignidade da pessoa humana.
Salvador, 14 de fevereiro de 2016.
Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.
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