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sábado, 14 de maio de 2016

PRIVATIZADOS, MAS SEM DELEGATÁRIOS

Cartório é designação genérica para denominar as serventias judiciais, que compreendem os cartórios dos juízos e as secretarias dos tribunais; nas serventias extrajudiciais funcionam os serviços notariais e de registros, que são órgãos técnicos destinados a garantir a publicidade, autenticidade e segurança dos atos jurídicos, praticados em caráter privado por delegação do Poder Público; a Lei n. 8.935/1994, conhecida como Lei dos Cartórios, regulamenta essa atividade. Os serviços desenvolvidos pelos delegatários são dotados de fé pública e cabe ao Poder Judiciário fiscalizá-los. 

A Constituição Federal também trata do assunto para exigir concurso público de provas e títulos para o exercício das funções notariais e registrais; não se admite que “qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”. Apesar da fixação desse prazo, a Bahia espera pelo concurso para a habilitação dos delegatários há mais de cinco anos. 

O projeto de privatização, encaminhado pelo Tribunal à Assembleia Legislativa, em 2009, previa a entrega gradual dos cartórios extrajudiciais à iniciativa privada, delegando inicialmente apenas aqueles cartórios sem titulares e os demais ocorreriam na medida em que fossem ficando vagos, sempre com a indispensabilidade de concurso público. O CNJ endossou o entendimento do Tribunal, mas a Casa Legislativa promoveu inúmeras alterações, através de emendas, resultando, ao final, na Lei n. 12.352, de 8 de setembro de 2011, que privatizou, de uma só vez, todos os cartórios extrajudiciais do estado. Essa lei foi aprovada à unanimidade e sancionada pelo ex-governador Jaques Wagner. O estado da Bahia foi o último a privatizar os cartórios extrajudiciais;

Essa lei estadual foi considerada inconstitucional, no que se refere à migração de uma atividade pública para privada sem concurso específico; a Presidência do Tribunal, em 2011, solicitou à Procuradoria Geral da República estudos para ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade, no STF, porque materia de sua competência; todavia, o tempo passou e a Procuradoria não ingressou com a ação, questionando a constitucionalidade. 

A lei facultou aos servidores, na titularidade das serventias, a opção de deixar a função pública e ocupar o serviço notarial ou registral, em caráter privado, mesmo sem terem submetido a concurso específico; fixou o prazo de 120 dias para que houvesse a migração do setor público para o privado; houve opção de apenas 10% dos servidores concursados; isso implica afirmar que 90% dos cartórios, mais de 1.300 unidades, continuam sendo mantidos pelo Judiciário, quando deveriam sustentar-se com a própria arrecadação dos serviços prestados. Calcula-se que o Tribunal tenha um gasto anual desnecessário e fruto de sua incúria de quase 70 milhões. 

Com a omissão da Procuradoria, os servidores concursados anteriormente, no regime jurídico público, passaram a exercer uma função privada, sem o certame específico. Restou ao Tribunal, através do Conselho da Magistratura, editar a Resolução n. 01/2012, que “declara privadas as unidades de serviços notariais e de registro do Estado da Bahia e dá outras providências.”

Eram 1.463 cartórios extrajudiciais instalados, sendo 50 na capital e 1.413 no interior do estado; houve delegação e apenas 145 servidores habilitaram para prestação dos serviços notariais e registrais. Assim, 90% dos cartórios continuaram sendo ocupados por servidores do Judiciário, apesar de privatizados. A Lei de Organização Judiciária do Estado prevê a existência de 1.477 cartórios extrajudiciais, diferentemente dos 1.463 instalados. Assim, de acordo com a lei de 2007 deverá haver delegação para todos os cartórios inclusive aqueles que foram criados e não instalados.

O Registro Civil de Nascimento e a Certidão de Óbito são os serviços mais procurados pela maioria da população e nada se paga por essa atividade, daí a dificuldade que o Judiciário terá para delegar tais cartórios, principalmente nas pequenas Comarcas e nos distritos judiciários. Muitos deles funcionam nas residencias dos servidores ou são transferidos para a sede da Comarca distante até 80 quilômetros, como é o caso de Ourolândia, distrito de Jacobina. Outros foram desativados ou não instalados a exemplo do Cartório do distrito judiciário de Sambaituba, em Ilhéus, ou do distrito judiciário de Mirandela da Comarca de Ribeira do Pombal. O descumprimento da lei, constrange o cidadão a deixar sua casa, andar 80 quilômetros para fazer o registro do nascimento do filho, o registro do óbito de um parente ou mesmo para obter uma certidão. 

Levantamento constatou que, no ano de 2011, os cartórios extrajudiciais, que foram delegados, na Bahia, arrecadavam em torno de 60% de toda a receita. Assim, haverá desinteresse na ocupação dos cartórios, não delegados, porquanto a receita de todos os demais não ultrapassa a 40%.

Daí o advento da Lei estadual n. 12.352/2011 que criou o Fundo Especial de Compensação – FECOM -, de caráter privado, destinado ao provimento da gratuidade dos atos praticados pelos regitradores civis de pessoas naturais, bem como para promover compensação financeira às serventias notariais e de registro privatizadas que não atingirem arrecadação suficiente ao funcionamento e renda minima do delegatário. A Lei n. 13.555 de 29/04/2016, alterou dispositivos da Lei n. 12.352/2011 para autorizar o uso dos recursos do Fundo Especial de Compensação, FECOM, para “custeio das despesas com pessoal dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, enquanto não houver a outorga da totalidade dessas unidades extrajudiciais…”.

Salvador, 14 de maio de 2016.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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