A palavra crise reflete apropriadamente a temperatura pela qual passa o Brasil em todos os segmentos da sociedade, nos dias atuais; o desarranjo é grande no aspecto econômico e financeiro, mas, o debacle maior origina-se sob o ponto de vista moral; os representantes dos poderes da República são manchados pela roubalheira do dinheiro público, além da baixaria nos debates, que se travam no Congresso Nacional, violando todos os princípios éticos que devem regular suas atividades; o Judiciário, através dos seus mais eminentes membros, também têm seu conceito maculado por acusações que deverão ser apuradas, e também em função de desentendimentos acalorados entre os próprios pares nas sessões e por declarações inconsequentes à imprensa que alguns ministros são vezeiros.
As discordâncias entre os componentes dos tribunais superiores já não ficam acobertadas pelo manto das conveniências, mas extravasam para todo o povo nas sessões plenárias, transmitidas pela televisão; em alguns momentos anota-se o maior vexame, que se imaginava fosse apanágio do Congresso Nacional. Além desse triste cenário, no campo da aplicação do direito reside o maior infortúnio do cidadão, que se sente desamparado pela ineficiência e morosidade na prestação jurisdicional. Há uma incapacidade sem tamanho e sem perspectiva de solução, que o passar do tempo só faz acumular e aprofundar.
Sob invocação da litigiosidade contida, criou-se em 1984, os Juizados Especiais de Pequenas Causas. Buscava-se desburocratizar a Justiça, facilitando o acesso do pobre, sem os entraves do sistema complicado e caro da Justiça Comum. Agradava aos pequenos, porque as queixas apresentadas tinham resultados rápidos; estávamos beneficiados pela Lei 7.244/84, originada da prática americana, através da Small Claims Courts.
Pouco mais de dez anos depois, editou-se nova Lei de n. 9.099/95, ampliando o alcance das causas cíveis e estendendo a competência dos Juizados para as questões criminais. Aí começou o desvirtuamento do que passou a ser denominado de Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Agora, o pobre não tem força para falar com o poderoso: Eu te processo; pelo contrario, voltou a prevalecer a expressão do rico contra o necessitado: Vá procurar os seus direitos, porque sabe da morosidade na solução das reclamações nos Juizados.
A Justiça Arbitral, instituída pela Lei n. 9.307/96, alterada pela Lei n. 13.129/15, está, praticamente, restrita às grandes empresas e ainda assim, termina judicializada. A conciliação, alicerce dos Juizados, estirou-se para a Justiça Comum, sem o êxito suficiente para desencalhar os milhares de processos que tumultuam os cartórios e secretarias. Aliás, a obrigatoriedade da conciliação, estatuída no Código de Processo Civil, mostra-se contraproducente, além de violar de cheio a razoável duração do processo. O momento da conciliação, antes da contestação, a consideração de ato atentatório à dignidade da Justiça contribuem sobremaneira para a burocratização do processo e a demora na solução dos conflitos.
A falta de material humano, a morosidade, a carestia, a dificuldade orçamentária e toda a infraestrutura capenga do Judiciário frustra o cidadão, quando se sente forçado a reclamar seu direito violado. O acesso à Justiça estreita-se.
Se as alternativas não resolveram o drama do jurisdicionado, não se entende como manter as férias de 60 dias para o magistrado, como conservar a licença prêmio, como inserir um recesso no final e início do ano, que se tornou férias dos advogados, como alongar os feriados, tudo isso impeditivo para a solução em tempo razoável do processo. É uma desarmonia grotesta deparar com o acúmulo de processos de um lado e a diminuição de dias de trabalho na outra vertente. Soma-se os cursos, os eventos, a exemplo dos congressos, das posses desta ou daquela autoridade, nas quais os magistrados sentem-se no dever de participar, e ver-se-á o enorme prejuízo provocado por esses interrupções na atividade judiciária.
O Executivo, que deveria contribuir para esvaziar as prateleiras dos cartórios, é o maior motivador para o aprofundamento da crise do Judiciário, vez que responsável pelo excesso de demandas, como parte autora ou ré. Os governantes não se preocupam com a correta prestação dos seus serviços e irregularidades às mais diversas são cometidas e depois descarregadas para o Judiciário, que se tornou guardião de todos os erros, em todos os níveis, principalmente os abusos cometidos pelas próprias autoridades públicas.
As agências reguladoras, criadas para ser independentes, não prestam para gerar confiança e segurança nem exercem o poder fiscalizatório que lhe é próprio, motivando demandas que amontoam nos escaninhos dos cartórios. Daí originam-se os litigantes profissionais, a exemplo dos planos de saúde, dos bancos, das telecomunicações e outras concessionárias de serviço público.
Salvador, 11 de setembro de 2016
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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