O “juiz não fala fora dos autos” era a expressão costumeira para demonstrar a cautela e o cuidado que o magistrado tinha, para expressar-se sobre temas políticos, principalmente aqueles assuntos que poderiam ser questionados no Judiciário; soava estranho e até merecia reprovação, quando o juiz não guardava recato na sua conduta e deixava-se dominar pela intimidade com os repórteres, ávidos para conquistar evidência na mídia.
Esse procedimento caiu, praticamente, em desuso, pois, na atualidade, a exposição mundana do juiz banaliza o compromisso de respeito ao silêncio; de uns tempos para cá, sem a menor cerimônia, integrantes do Judiciário, principalmente dos tribunais superiores, buscam a mídia para expor considerações sobre este ou aquele tema e falam pelos cotovelos.
A aparição do magistrado na mídia tem incentivo do próprio STF, porque aí estão ministros que dão declarações de impacto, propositadamente, para ter repercussão na imprensa. Interessante registrar que esses magistrados originaram-se do quinto constitucional. Falam de questões judicializáveis, haja vista as declarações antecipadas sobre o mérito do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e outros temas em discussão na Corte.
O ministro Marco Aurélio não se recusa em responder às indagações que lhe são feitas. Uma decisão do juiz Sérgio Moro, no processo, constituiu motivo de ironia do Ministro, quando comentou: “Condução coercitiva? O Que é isso? Eu não compreendi”. Prosseguiu criticando despacho judicial. Assim também ocorre com o ministro Gilmar Mendes. Recentemente, declarou que “promotores e juízes ameaçam parlamentares com a Lei da Ficha Limpa…”. O Ministério Público e a Magistratura classificaram a fala do ministro de “acusação de prática criminosa” contra magistrados, procuradores e promotores e ingressaram com medida judicial.
Falam que o juiz não pode fazer pré-julgamento, mas em muitos momentos, são expostas as teses sobre processos que posteriormente chegam-lhe às mãos para decidir.
Não precisa ter assunto jurídico importante para provocar o descaminho da tradição, consistente na prudência e na discrição dos antigos e sisudos magistrados; a loquacidade e o exibicionismo toma conta de boa parte da magistratura; pouco lhe incomoda se seu gabinete está cheio de processos, aguardando decisões; importante é emitir juízo de valor acerca da política nacional de vivo interesse da imprensa.
A lei que os ministros resistem em modificar, a LOMAN/1979, gerada no regime de 1964, diz textualmente que ao magistrado é vedado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais”, art. 36, III. A Constituição veda ao magistrado “dedicar-se à atividade politico-partidária”, art. 95, parágrafo único, inc. III. Assim, o julgador deve desvincular-se dessa atividade, porque capaz de atrapalhar sua função principal, além de diminuir seu conceito junto ao jurisdicionado.
Há ministros que se sentem protegidos, talvez pelo manto da vitaliciedade, e deitam-se a censurar colegas, decisões de juízes de 1ª instância, proferidas nos autos. Esses magistrados, quando não censuram seus colegas, adentram para diminuir o valor desta ou daquela lei, deste ou daquele projeto em discussão no Congresso Nacional ou até mesmo para questionar decisões do Executivo.
O juiz fala fora dos autos quando escreve um livro ou artigo, quando em sala de aula ou em palestras, congressos e seminários. Mas, nesses casos, compreende-se, porque não se trata de matéria específica, muito menos de cabotinismo, mas refere-se a assuntos generalizados e sempre em tese. Diferente é a postura do magistrado que não se cansa de comparecer a programas de televisão ou de rádio para expressar o que não lhe próprio de sua missão.
Já não se tem a incerteza natural nos procedimentos judiciais!
Os magistrados nas Comarcas, distantes de Brasília, mostram-se perplexos com a verborragia que campeia no Judiciário. Muitas vezes, ministros promovem debates públicos sobre processos ou causas em andamento, posicionando sobre este ou aquele tema, transformando o processo em espetáculo. Esse cenário mostra-se estranho para quem permanece no gabinete, mesmo após o expediente, ou para quem leva trabalho para concluir em casa, ou ainda para quem acumula substituições nas distantes Comarcas do interior, sempre em busca de diminuir as agruras do cidadão que se queixa da morosidade do Judiciário.
Aliás, muitos censuram as transmissões pela televisão dos julgamentos do STF, transformando os julgadores em celebridades, ainda que momentâneas. O pior é que, nos debates que travam, nas sessões de julgamentos, em muitas oportunidades, são comparados com a baixaria que se faz presente no Congresso Nacional. Antes, as decisões judiciais processavam-se secretamente; na atualidade, buscam a televisão para que todos ouçam suas longas teses acadêmicas, causadoras da morosidade do julgamento final.
As leis não proibem que o magistrado emita seu ponto de vista sobre temas, mas firmou-se o entendimento de que o julgador deve guardar certa reserva e não deitar com a falação à imprensa sobre tudo e sobre todos.
Afinal, o juiz é vigiado pela sociedade em todos os seus passos, daí porque reside o cuidado que deve ter no pronunciamento sobre variados temas, especialmente dentro dos limites de sua jurisdição.
Muitos magistrados sentem-se vitoriosos, quando aparecem nos holofotes tentadores da mídia ou quando são motivos de espetacularização. Nas suas redes sociais aventuram na emissão de opiniões e críticas sobre os mais variados assuntos. Esse entretanto, não é o perfil do magistrado.
O Código de Ética da Magistratura impõe o dever da transparência, o sigilo profissional e a prudência.
Salvador, 23 de outubro de 2016.
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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