A “Justiça de Crédito” ou de “Exceção”, criada pelos empresários vai muito bem, amedrontando e causando danos aos consumidores, quando negativa seu nome, às vezes indevidamente; os Juizados Especiais, a outra Justiça que seria para os pobres e destinada a solucionar pequenos problemas do dia a dia, é que vai muito mal, porque desvirtuados de seus mais lídimos propósitos.
A cada movimento do legislador, dos advogados e dos tribunais, o sistema distanciou do seu verdadeiro sentido para o qual foi idealizado. O atendimento piorou e a burocracia passou a infernizar a vida dos que necessitam buscar a recomposição do seu direito. Já não se julga as pequenas causas, as reclamações sem complexidade; ficou dificil, porque os Juizados tornaram-se o estuário também de empresas e de pessoas que têm recursos para pagar custas e advogados.
A primeira Lei n. 7.244/1.984 admitia nos Juizados somente os litígios de natureza patrimonial com valor não excedente a 20 salários mínimos; a Lei n. 9.099/1.995 ampliou o alcance e inseriu as causas de até 40 salários mínimos, com a presença de advogado para reclamações que ultrapassem a 20 salários mínimos; uma, a primeira, condizente com a informalidade, dispôs sobre o sistema em 59 artigos; outra, a mais sofisticada, trata da matéria em 97 artigos.
A massificação foi de tal ordem que a “Justiça em Números”, CNJ, informa que 30% dos novos processos são destinados aos Juizados Especiais. E o pior é que não instituíram estrutura alguma para suportar o peso do grande número de reclamações que ancoraram no sistema.
A lei dos Juizados Especiais admite três alternativas para solução das reclamações: conciliação, art. 21 segs Lei n. 9.099/95, juiz leigo, art. 21 segs e a arbitragem, art. 24 segs; o juiz leigo passou a atuar muito recentemente na Bahia; a arbitragem, apesar de contemplada na lei, nunca foi experimentada; instrução e julgamento, arts. 27 segs.
As microempresas, através da Lei n. 9.841/99, passou a requerer como autora, quando a permissão era somente pessoa física.
Muitos projetos tramitam no Congresso Nacional e um deles, Projeto de Lei n. 3.283/97, de autoria do deputado Paulo Lustosa, busca aumentar o valor das causas de competência dos Juizados para 200 salários mínimos; outro, o Projeto n. 3.112/97 de autoria do deputado Basílio Villani torna obrigatória a contratação de advogado para todas as causas. Na prática, a contratação de advogado para todas as causas nos Juizados já ocorre, diferentemente do que acontecia na vigência da Lei n. 7.244/84.
Os Juizados foram definidos pelo desembargador gaúcho, Luiz Melíbrio Machado, da seguinte forma: “A maioria das pessoas passa a vida sem ter uma grande causa, mas não passa um dia sem enfrentar mil contrariedades”. Infelizmente, o sistema não mais pode ser assim conceituado, pelos desvios sucessivos que foi vítima.
Além disso, o juiz de direito entendeu de aplicar o Código de Processo Civil, como lei maior, ao invés de tê-lo como subsidiário.
A lei criou para apreciar os recursos uma turma composta de três juízes togados, em exercício no 1º grau de jurisdição, e impôs-lhe a obrigação de reunir na sede do Juizado exatamente para ganhar tempo e evitar a suspensão do julgamento com diligências, além de fazer com que os julgadores convivam com a estrutura de um sistema novo e desburocratizante, art. 41 Lei 9.099/95. Aqui mesmo na Bahia, tivemos Turmas Recursais por região, no interior, e descentralizadas na capital. Todavia, a mente complexa e burocrática dos operadores do direito violam a lei e criam Turmas Recursais que se reúnem em local diverso, buscando mais o conforto de salas apropriadas para o bem-estar e o conceito de seus membros do que mesmo para o impulso célere dos recursos. Ademais, desativaram as Turmas Recursais do interior e todos os recursos de toda a Bahia devem ser direcionados para o “pequeno Tribunal”, em Salvador.
E o prazo para recurso que deveria ser contado a partir da ciência da sentença, art. 42 Lei 9.099/95, mas a burocracia firmou o entendimento de que deve ser a partir da juntada aos autos de mandado ou de AR.
A Lei 13.105/2015 alterou a redação do art. 48 que permitia à própria parte ingressar com Embargos de Declaração, nas reclamações de até 20 salários mínimo.
Agora já não se trata de reclamação, termo usado pela Lei 9.099/95, mas de ação; já não se usa sessão, mas audiência; já não se tem os juízes vocacionados para esse tipo desburocratizante de justiça, mas dispõe-se de Varas judiciais; de descentralizados passou-se a centralizar os Juizados e as Turmas Recursais, atendendo mais aos desígnios dos juízes e advogados do que das partes; a Bahia centralizou no bairro do Imbuí e dificultou para quem mora no subúrbio; a morosidade, principal inconveniente da Justiça, contribui para desestabilizar os Juizados.
Em decorrência do princípio da oralidade – concentração, imediatidade, identidade física do juiz e irrecorribilidade das decisões interlocutórias -, considerando os princípios da celeridade e da informalidade, nos Juizados Especiais, a audiência de instrução e julgamento deve ser única e contínua, encerrando sempre com a sentença. Isso já não ocorre, exatamente pela massificação que se imprimiu a Justiça que deveria ser dos pobres.
O Código de Processo Civil é usado, por exemplo, nas intimações que só se aperfeiçoam depois de intimadas as partes pelo DOE, mesmo com a vigência do art. 19, § 1º da Lei 9.099/95, que determina sejam consideradas as partes intimadas com a simples presença na audiência.
Qual o Juizado que aplica o art. 28 da Lei n. 9.099/95: “Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença”.
A ata exigida pela Justiça comum, para registro dos atos praticados, é peça dispensável no Juizado, porque substituída por simples anotações de registro da presença das partes; as provas produzidas são anotadas e apreciadas, em resumo, na própria sentença. Essa simplicidade já não existe nos Juizados.
A precatória, que antes se fazia por telefonema, de juiz para juiz, já não é usada, deixando-se de aplicar o disposto no art. 13 da Lei n. 9.099/95.
Os Juizados Especiais, semelhante ao STF, embrenharam-se pela concessão de liminares, porque o processo demanda anos para ser concluído.
Em grande parte das Comarcas, os Juizados são adjuntos e isso implica em usar a péssima estrutura da Justiça comum para movimentar as reclamações, prejudicando a Justiça Comum e os Juizados.
Salvador, 13 de novembro de 2016.
Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.
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