O mais enigmático de toda essa história de desativar ou agregar comarcas, na Bahia, é constatar-se a profunda descontinuidade das administrações que se sucedem, a cada dois anos, na direção do Tribunal de Justiça; uma diretoria conquista, através de lei, a proposição para instalar uma comarca em cada município, Lei n. 10.845 de 27/11/2007 ainda em vigor; outra diretoria, sem revogar a norma de 2007, ignora o texto e faz exatamente o contrário, desativando ou agregando quase uma centena de comarcas ou varas judiciais, deixando número igual de municípios sem acesso à justiça. Insatisfeita, outra diretoria recomeça o pesadelo e ameaça, três anos depois, fechar mais fóruns, ultrapassando o número de 100 unidades desativadas ou agregadas em cinco anos.
Na lista extraoficial, já se sabe que o Tribunal pretende desativar ou agregar, dentre outras, as comarcas de Capim Grosso, Central, Canarana, Gentio do Ouro, João Dourado, Lapão, Palmas de Monte Alto, Piritiba, Presidente Dutra, São Gabriel. Além dessas, já divulgadas pela imprensa, fala-se em mais 30 unidades, aproximando de 50 comarcas.
A ameaça atinge Capim Grosso que em 2012 foi considerada com condições para receber duas unidades desativadas: São José do Jacuípe, e Quixabeira, desativadas naquele ano. Sabe-se então que, a comarca, agora ameaçada de desativação, leva mais dois municípios para o “limbo”. João Dourado que recebeu América Dourado, em 2012, também é destinada a integrar a “periferia”; mais dois municípios sem sediar comarca; Presidente Dutra teve condições para receber Uibaí, em 2012, mas, neste ano de 2017, querem desativar exatamente aquela que recebeu Uibaí.
A agregação de Palmas de Monte Alto a Guanambi só vai dificultar a situação dos jurisdicionados das duas unidades; Guanambi, porque já recebeu Pindaí, desativada em 2012, e Palmas porque terá de deslocar-se para Guanambi, 60 quilômetros de distância, sem considerar a lonjura de Sebastião Laranjeira, distrito de Palmas, para Guanambi, quase 90 quilômetros.
Na empresa privada, à medida que cresce a procura por produtos, aumentam os meios para satisfazer às reivindicações do consumidor, resultando em maiores lucros para a ação desenvolvida. Constroem-se novas estruturas para atender ao cliente. No Judiciário, depara-se com cenário diferente, pois o quadro de investimento, em virtude da multiplicação de demandas, não se enquadra com as necessidades mínimas reclamadas; o lucro, que no caso é a prestação do serviço, não significa motivo para ampliação da atividade; judicializa-se questões que poderiam ser solucionadas por órgãos reguladores, mas não se oferece recursos para acesso do cidadão à Justiça.
Não se sabe de um município rebaixado à condição anterior de distrito, mesmo com as grandes despesas que implicam a elevação à categoria de cidade; não há crise financeira apta a originar a “desativação” ou “agregação” de um município a outro; não se constata uma delegacia desativada, mas o próprio Poder Judiciário encarrega-se de dificultar a vida do cidadão com o fechamento de fóruns em comarcas centenárias, como foi o caso de Rio de Contas, de Paratinga e outras.
Alguns estados, no país, já desativaram comarcas, mas nenhum com o espantoso número de mais de 90 em apenas dois anos, como procedeu o Tribunal de Justiça da Bahia.
O fundamento de menos de 600 processos por ano não se justifica, porquanto a unidade que não tem juiz não terá procura pelo jurisdicionado; a delegacia sem delegado não tem volume de queixas que justifiquem a atuação do órgão; o fato de não existir número de demandas pelo posto médico ou pela matrícula na escola, não constitui motivo para deixar-se de instalar a unidade de saúde ou o prédio escolar. Esses segmentos só funcionam, só são buscados, quando instalados.
O outro motivo para medida tão drástica é a distância de menos de 60 quilômetros; também não pode ser alicerce para a desativação ou agregação, porquanto, a depender do município, leva-se horas até a comarca mais próxima, vez que grande parte dos municípios não possuem estradas, condizentes com as necessidades. Ademais, a maioria dos jurisdicionados não residem na sede do município, e, portanto, equivocado o motivo de distância para provocar a desativação ou agregação.
Os sindicatos de servidores, as subseções da OAB, os advogados, os servidores, os magistrados, os promotores, os defensores públicos, os prefeitos, os vereadores e todas as comunidades devem integrar essa luta de manutenção das unidades jurisdicionais.
Salvador, 09 de abril de 2017
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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