Nós, os operadores do direito, não escondemos o profundo pesar com a ação dos desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia, nesses últimos anos, desmantelando o que seus colegas montaram, através de dispositivos na Constituição do Estado e na Lei de Organização Judiciária, assegurando que “cada município deverá corresponder a uma comarca”. E mais: não observaram o preceito constitucional, que garante a todos acesso à Justiça, na forma do art. 5º, XXXV:
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Essa dispositivo da Constituição Federal preserva o acesso de todos à Justiça para dar a cada um o que é seu, garantindo o exercício da cidadania plena. E o resultado do acesso à Justiça é a obtenção da paz social, objetivo maior da sociedade. O fechamento de 99 comarcas, nesses últimos cinco anos, além de deixar os jurisdicionados sem acesso à Justiça, causou abandono de prédios públicos, muitos com boa estrutura, onde funcionava o Judiciário ou onde era a casa do juiz, que, certamente, foram ou serão abandonadas, e transformadas em esconderijo de drogados e criminosos.
Esse enfrentamento, consistente na construção do edifício, comarcas em todos os municípios, promovida por desembargadores de antanho, preocupa, porque os atuais passam por cima de leis elaboradas pelos magistrados que causam maiores danos aos necessitados. Desenvolvem o trabalho de destruição com a maior facilidade, através de ato interno, destroçando o que foi incorporado às garantias de acesso à Justiça, através do tempo e de muita luta em duas importantes leis do Estado.
Na sessão recente do desmonte de 33 comarcas, nenhum desembargador levantou a voz para contrariar essa antipática, perniciosa e ilegal medida, em claro desrespeito ao texto da lei de iniciativa do Tribunal – Lei de Organização Judiciária, art. 20 – além do menosprezo à Constituição Estadual, art. 121.
Quando acontecem episódios dessa estirpe, percebe-se a fragilidade dos menos favorecidos, avançando para um sentimento de revolta e frustração, diante do quadro que se desenha: mães de família, quando abandonadas pelo maridos, sem ter a quem reclamar; homens da zona rural, quando invadida sua pequena propriedade, de onde retira o pão para a família, sem saber o que fazer; “ladrões de galinha” poderão apodrecer nas fétidas masmorras; e, enfim, o cidadão do pequeno município, que era comarca, não mais cruzará pelas ruas da antiga cidade-comarca com o magistrado, rumando para um bonito fórum ou para uma casa que serve de fórum, mas que faz justiça para garantia da paz social na comunidade.
Afinal, disse o Tribunal de Justiça da Bahia que a cidade por ser pequena, por não ter renda suficiente para manter a estrutura judiciária, - e que estrutura!, - não poderá ser sede de comarca, obrigando o jurisdicionado a andar 100, 200 ou mais quilômetros para reclamar seus direitos.
Esse raciocínio quer destruir tudo o que se imaginava retratar a Justiça: amparo seguro para os fracos? Mas que ancoradouro é esse que só pode existir, onde tem dinheiro, segundo os juristas do Tribunal, destinado ao pagamento da remuneração do juiz, dos servidores, das instalações e das máquinas?
Não, essa equação não pode está correta. Os homens erraram no conceito, mas prevalecerá o equívoco, até que novos magistrados consertem a imperfeição do silogismo. O pior é que essa lógica repete-se desde 2012.
Enfim, o homem pobre terá de acostumar com a notícia de que o “doutor” está na comarca, mas bem distante de onde reside, 100, 200 quilômetros adiante. Se esse cidadão já achava inacessível e inconfiável o Poder Judiciário, o que não concluirá agora!
Que pão caro é esse, cantado por Bertold Brecht, quando dizia que a “justiça é o pão do povo”?
E o destino do servidor, que comprou sua casa, montou sua família e terá de deslocar-se para outra cidade, por conveniência do serviço público. Pode isso? Pode, segundo os desembargadores.
Muitos desembargadores, como eu, não se originaram de famílias ricas; todos, na sua infância ou na sua trajetória de juiz, presenciou as dificuldades de seus pais com as injustiças, que somente o juiz poderia impedir; alguns dos atuais desembargadores viram suas mães passar privação, porque o pai abandonou a família, cenário que somente o juiz seria capaz de solucionar. Outros tantos, sentiram a tristeza de seus pais, quando a pequena propriedade de onde a família retirava o sustento, foi invadida e somente o juiz estaria apto para atender ao clamor da família.
Mas o que fazer?
“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Ha dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?”
Salvador, 09 de julho de 2017
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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