terça-feira, 17 de outubro de 2017

EIS A QUESTÃO: DESEMBARGADOR, JUIZ OU SERVIDOR?

Espocou como uma bomba a notícia de um anteprojeto, em discussão, que deverá ser submetido ao Pleno, para criação de mais 10 cargos de desembargador no Tribunal de Justiça da Bahia, que já conta com 60 membros. Os servidores, os advogados e o jurisdicionado não sabem como justificar tamanha precipitação. Fecha-se Comarcas, desativa-se a Câmara do Oeste, faz-se concurso e não se nomeiam os concursados aprovados, por falta de recursos, mas aparecem os meios para criar, sem necessidade, 10 cargos, que implicam na disponibilidade de um mínimo de 50 servidores que deverão migrar dos Cartórios para os Gabinetes. 

O desembargador é o magistrado que passou pelas Comarcas e Varas e foi promovido para o Tribunal, estudando, analisando, reformando ou mantendo a ação desenvolvida pelo juiz. As tarefas do desembargador e do juiz são profundamente dessemelhantes, porque a incumbência da 2ª instância resume-se tão somente em revisar o que foi feito pelo juiz. Em regra, não há diligência, consistente em perícia, em ouvir testemunhas e outras. 

Assim, conclui-se que a atividade, no processo, é resultado do trabalho do juiz e do servidor; o desembargador só labuta nos autos se houver recurso da decisão de 1º grau e ainda assim com pouca ocupação, consistente na análise e revisão do que foi construído pelo magistrado das Comarcas e Varas. Então, não há acórdão sem sentença, e como consequência não há desembargador sem juiz, não há gabinete, sem cartório. Necessária sentença para aparecer acórdão.

Se é assim, como criar cargos de desembargador, se não há servidor, nem juiz para produzir processos para serem analisados pelos desembargadores!

Há desmedida desatenção com os princípios que regem a sensatez, a moral e a Justiça. Se faltam recursos para nomear concursados, para fazer concurso para juiz, como ter fundos para ampliar o quadro de magistrados do 2º grau sabendo-se que estes só trabalham se aqueles produzirem? 

Não se entende como fazer essa articulação, se não houver um motivo, ainda que injustificável. Exatamente por isso que se ouve a versão de que a pretensão do Tribunal está relacionada com a sucessão da mesa diretora, nas eleições do próximo mês de novembro. Mais dez votos define os nomes dos membros da diretoria para os próximos dois anos. Diz-se ainda que houve visita de alguns desembargadores ao governador a fim de sacramentar a situação. É estarrecedora essa notícia, mesmo porque a luta de desembargadores de antanho, comandada pelo intrépido desembargador aposentado Cintra, foi vitoriosa exatamente para desvincular o Judiciário do Executivo. 

Não se acredita em tamanha ousadia e desrespeito ao cidadão! 

Como criar cargos de desembargador se faltam juízes; como aumentar o número de magistrados, seja no 1º ou no 2º grau, se faltam servidores para dar cumprimento às suas determinações? A atual diretoria do Tribunal tomou posição corajosa e necessária, quando desativou o funcionamento da Câmara do Oeste, exatamente para diminuir os custos e por considerar a prioridade fixada na Justiça de 1º grau. 

Essa notícia de criação de 10 cargos de desembargador mostra-se de absoluta incoerência com aquela decisão de desativar a Câmara do Oeste, indispensável num momento que faltam juízes e há carência de servidores; a Bahia precisa de juízes e principalmente de servidores, pois, como se disse, sem esses, os desembargadores não têm o que fazer. As Comarcas estão desérticas, com aposentadorias e pedidos de exoneração, e os servidores que restam enfrentam trabalho escravo, porque situam-se entre a cruz, o Tribunal, e a espada, o jurisdicionado. 

Veja-se a equação desse intrincado teorema: o Tribunal necessita de servidores e há mais vagas do que o número de aprovados; fez concurso, com 135 mil candidatos, com esse objetivo; foram aprovados em torno de 2.000; passados quase três anos não houve nomeação; em outro viés, o Tribunal serve-se de funcionários disponibilizados pelas prefeituras, mais de 800, obrigando-as a desviar verbas que seriam destinadas para educação ou creche, como disse o ex-prefeito de Luis Eduardo; o Tribunal arrebanha comissionados, livre nomeação, e estagiários, desviando a função destes, que são designados para trabalhar no cartório. 

O enigma dessa alegoria só pode ser desvendada pelo Ministério Público ou pela OAB, chamando o Judiciário para deslindar tão complicada proposição. O novelo não leva à saída do labirinto, porque aparece o contorno que se perde nos arredores do caminho.

Salvador, 17 de outubro de 2017.

Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.

8 comentários:

  1. Nossa..
    Esse sim nos representa!!
    Sou seu fã, Dr Pessoa.
    Parabéns!!!

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  2. Excelente matéria que retrata o caos em que se encontra o TJ da Bahia! Parabéns! Tem muita coragem em divulgar os absurdos do TJ!

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  3. Raciocínio impecável, Dr. Cardoso. Para que desembargador se não existe servidor nem juiz para produzir no primeiro grau? Ademais, não seria melhor nomear CENTENAS de concursados em lugar de aumentar apenas dez desembargadores e seus cargos em comissão? TJBa presta atenção! Seja a casa da justiça, não o inverso.

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  4. Parabéns pela matéria.

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  5. Esse TJ que recentemente cobrou que a prefeitura nomeasse seus concursado mantém centenas de candidatos em cadastro reserva em quanto nomeiam servidores de forma precária. ..Absurdo!

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  6. Parabéns Desembargador!
    Estou servidor do TJBA tem pouco tempo e recebo menos que o AUXÍLIO MORADIA dos magistrados e promotores.
    Absurdo trabalhar assim, sem qualidade de vida...

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  7. Ok, pessoal, muito obrigado pelos comentários, mas esse tem sido meu perfil, como magistrado e agora como advogado e no meu blog: defender os injustiçados.
    Grande abraço para todos es espero vê-los como servidores do Judiciário da Bahia

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