terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A DITADURA E A DIRETORA

Professora Henriette e alunos
A revolução no ensino, desenvolvida pela professora Henriette Amado, na escola André Maurois, no Rio de Janeiro, despertou interesse da imprensa. Lá fui eu entrevistá-la, no Leblon, pelos anos 60. 

A professora Henriette Amado foi designada pelo governador Chagas Freitas para dirigir a escola André Mourois, em 1965, coincidindo com uma das maiores enchentes, registradas no Rio de Janeiro, que desviou a atenção da escola para dar assistência e abrigar os moradores do Morro da Catacumba. 

A atividade propriamente dita da escola foi iniciada, em 1966, guiada pelo método desenvolvido na Suiça e, posteriormente, Inglaterra, com a escola mundialmente conhecida: Summerhill. Foi a primeira escola democrática do mundo, fundada em 1921, pelo educador Alexander Sutherland Neil. Tornou-se ícone das pedagogias alternativas, reconhecendo ao jovem o direito de escolher e decidir sobre o que lhe é proveitoso aprender, sem coação, nem repressão, meios bastante usados pelas escolas tradicionais. Na Summerhill, o aluno optava pela frequência ou não às aulas. Os alunos tinham diálogo aberto com professores e com a diretora; eram ouvidos em assuntos de interesse mútuo do corpo discente e docente; aliás, a sala da diretoria não tinha portas e o entra e sai de alunos e professores era constante. 

O livro “Liberdade Sem Medo”, de Summerhil, mostra a origem da pedagogia libertária e antiautoritária no mundo.

O objetivo da escola Summerhill era o equilíbrio emocional, como fonte definidora do jovem, capaz de levar-lhe à felicidade. Neil defendia dimensão maior à sensibilidade sobre a racionalidade. A educação medida pelos testes, avaliações, monitoramento não condiz com os princípios de Summerhil. Neil entendia que a criança é livre por natureza e tem liberdade intelectual, emocional e artística. 

A escola adaptava aos alunos e não o inverso; não existe hierarquia e a manifestação de um aluno valia tanto quanto a de um professor ou funcionário. O currículo é negociado entre alunos e educadores. Todos os problemas eram decididos em assembleias, inclusive eventuais casos de bullying. Ate mesmo o tratamento era de igual para igual: você. 

A escolar André Maurois, sob a direção de Henriette, chegou a contar com 2.500 alunos, os quais “conseguiam sempre os primeiros lugares no vestibular”. Diferentemente das outras escolas da época, o André Maurois não tinha inspetores para coibir que os alunos saíssem da sala de aula; o uniforme, como padrão, foi abolido. Quem não quisesse assistir às aulas, tinha a opção de desenvolver na arte da pintura, trabalhar com madeira, cerâmica, etc. 

O Decreto-Lei n. 477 de 1967 do governo militar obrigava os diretores de escolas e universidades a denunciar alunos que fumassem maconha ou participassem de movimentos subversivos. Em 1970, uma professora contou que a diretora percebeu que alguns alunos estavam fumando maconha; juntou a equipe de ciências e de biologia, programou experiência com ratos, aplicando-lhes drogas, buscando a visualização dos efeitos pelos alunos. Henriette fez questão de colocar no pátio, “várias gaiolas e em cada uma delas o rato sob efeito não só de drogas diferentes, mas também sob efeito de droga: 1º dia, 2º dia, etc.” O colégio inteiro acompanhou a experiência e passaram a conversar sobre drogas, assunto impossível de ser tratado, naquela época. A imprensa fez um alarme, alegando o uso de psicotrópicos nas escolas e a polícia ameaçando professores e alunos. 

Foi o motivo que o governo militar encontrou para mudar o destino da escola. Henriette não denunciava seus alunos, mas, em 1971, dezenas de policiais com camburões cercaram a escola destituiram e prenderam a diretora Henriette Amado, que resistiu e somente se entregou depois que seu marido chegou à escola. 

Foi mais um ideal, um sonho destruído pela ditadura de 1964. Os jovens de hoje, que gritam pela ocupação do poder por militares, não passaram pela amargura de professores e alunos naquele 1971. 

Salvador, 16 de janeiro de 2017.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

Um comentário:

  1. Tive a grande oportunidade de ser dirigido pela querida diretora Henriette Amado. Já em 68 a Escola experimentou ser cercada por policiais militares - PMRJ, exatamente com o objetivo de invadir a Escola em busca dos alunos dito extremistas. A professora tomou a frente e soube evitar aquele grande equivoco; invadir um colégio de ensino secundário. Isto ocorreu próximo a passeata dos 100.000. Minhas honras a docência praticada pela querida professora.

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