Depois da Constituição de 1988 os militares assumiram sua missão constitucional e tivemos mais de trinta anos de tranquilidade, consistente na abstenção de ingerência das Forças Armadas no governo; todavia, a partir de 2018, o governo de Jair Bolsonaro desequilibra o sistema e busca sustentação nos militares que passaram a integrar, em larga escala, o círculo de ministros e assessores. Bem verdade que esses convocados são da reserva e, portanto, não representam a instituição militar. A mídia não tem demonstrado preocupação com esse cenário que começa a perturbar, com declarações inusitadas de ministros militares e do próprio Bolsonaro.
A primeira ingerência das Forças Armadas no governo brasileiro, depois do golpe de 1964, deu-se na redação da Constituição, quando o general Leônidas Pires Gonçalves exigiu os termos da redação do art. 142, que poucos interpretam de maneira a conferir poder às Forças Armadas para exercer o controle social do país em tempos de crise. Afinal, o Exército, Marinha e Aeronáutica prestam-se para garantir os poderes constitucionais, quando requeridas, nunca para interferir por vontade própria.
A militarização ascendeu com o governo de Jair Bolsonaro, ele mesmo um militar e seu companheiro na vice-presidência também um militar; ademais, foram chamados mais nove ministros militares, dentre os quais alguns que deixaram a ativa para ocupar pastas no governo. Calcula-se em três mil o quantitativo de militares em cargos de confiança no segundo escalão do governo. Bolsonaro transferiu a convocação de políticos ou profissionais para construir um bunker militar em seu governo. O presidente considera o Exército como a “âncora de seu governo”, transferindo dessa forma muito poder político para os militares.
No governo atual, a primeira manifestação dos militares aconteceu no julgamento de um Habeas Corpus para livrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da cadeia. O comandante do Exército, às vésperas do julgamento, em abril/2018, escreveu no seu Twitter que o Exército Brasileiro repudiava "a impunidade” e lutava pelo “respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". Se o resultado do julgamento não coincidisse com o intento do comandante, o que aconteceria? Não se sabe.
Ademais, Bolsonaro, que desenvolve um governo confuso, autoritário, sem obediência aos simples princípios de educação e civilidade, participando de movimentos que pregam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, imagina que um golpe militar lhe favoreceria, como pregam seus seguidores; ledo engano, porquanto um capitão não comanda um general, no regime castrense; assim, sem dúvida alguma, um golpe, causaria o maior dano ao capitão: perderia seu posto de comandante e passaria a obedecer ao general.
O último sinal dos novos tempos, deu-se no Ministério da Saúde com a saída do oncologista Nelson Teich, porque não concordou com orientação do presidente para adotar a cloroquina no protocolo do ministério. Pelo mesmo motivo, seu antecessor deixou o mesmo Ministério, que acomodou Teich por menos de um mês. O sucessor de Teich, um general, convocou para o Ministério da Saúde mais de 12 militares.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, muito apropriadamente, assegurou que estão "usando as Forças Armadas como se fossem milícias de um partido político. Isso é indigno. Isso é uma grande ofensa".
Salvador, 30 de maio de 2020.
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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