Nos anos 1960, os pais das alunas do Educandário, na formatura de suas filhas, na cidade de Santana, Oeste da Bahia, promoviam grandiosa festa, aguardada durante todo o ano pelos santanenses. A data era sempre 8 de dezembro. Nessa época não era comum a formatura de homens no curso de pedagogia. No dia da diplomação a cidade estava em festa, iniciada com a solenidade de entrega dos diplomas e concluída com a recepção nas casas das formandas; a mesa era farta, com doces, bolos, biscoitos, bebidas e a alegria contagiante dos familiares. E já se sabia: todos os amigos estavam convidados e a rapaziada visitava, uma após a outra, as casas das novas professoras. Apesar da incontida alegria, o Monsenhor Felix não comparecia a esses eventos, salvo na solenidade de distribuição dos diplomas. A festa significava o profundo contentamento dos familiares.
Mas vamos para a viagem em busca de novos caminhos. Toda a população do Oeste da Bahia e as ribeirinhas de todo o curso do rio da unidade nacional, guarda belas recordações da navegação dos vapores pelo rio São Francisco. Minhas lembranças estão associadas às viagens de meu pai, comerciante em Santana, que, anualmente, deslocava-se a Belo Horizonte, para fazer compras e abastecer sua loja de tecidos. É que os cinco filhos sempre iam recebê-lo, em Sítio do Mato, porto mais próximo de Santana, onde vivíamos. Essa era a alternativa de transporte regular e barato para os comerciantes da região que mandavam algodão e outros produtos para Minas Gerais e recebiam tecidos e outros. Embarcavam em Sítio do Mato em um dos vapores e chegavam a Belo Horizonte, partindo de Pirapora, nos trens da Central do Brasil.
A embarcação mais confortável no trajeto eram os vapores; o roteiro da viagem iniciava em Pirapora/MG e terminava em Juazeiro/BA; daí havia o retorno de Juazeiro para Pirapora. Nesse meio fica Sítio do Mato. A chegada era cheia de emoção e a saída constituía-se em crescente desalento da despedida. O interessante nessa movimentação dos vapores, ao menos para quem estava no Oeste do Estado, situava-se no porto de Sítio do Mato, antigo distrito de Bom Jesus da Lapa, hoje sede municipal. Toda a população do local estava sempre atenta para os apitos melodiosos do Benjamin Guimarães, do Wenceslau Braz, este considerado o mais luxuoso, e de outros vapores; era a alegria dos moradores, que deixavam seus afazeres e rumavam para a beira do rio, no primeiro apito que ouviam, apesar de sempre apitar três vezes; o vapor ancorava no porto e o povo pronto para visitar o interior da embarcação e para conversar e admirar os marinheiros, rigidamente trajados com a roupa branca da classe. Somava-se a esse povo, para esperar o vapor, os habitantes de outras cidades que vinham ao encontro da chegada de seus familiares, como era nosso caso.
O Benjamin Guimarães, um dos maiores vapores que navegava no trecho, transportava 140 pessoas, entre tripulantes e passageiros, e em torno de 100 toneladas de mercadorias. Todos esses grandes vapores, como o Saldanha Marinho e tantos outros possuíam cabines, refeitórios e banheiros, separados para homens e mulheres. Nada do conforto dos navios, pois em muitos casos havia camas beliche para dormir.
A destruição desse sonho para todos os moradores de Sítio do Mato e das cidades ribeirinhas aconteceu com a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Três Marias, no ano de 1961, da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, em 1978, além do assoreamento, o desmatamento, a deposição de sedimentos o descaso com a hidrovia, os descuidos que comprometeram a qualidade da água e inviabilizou a manutenção da navegabilidade; desapareceram das paisagens são-franciscanas os vapores, cessou o transporte fácil e barato, acabou com as viagens das famílias em todo o trecho navegável do rio e desmantelou o tráfego das mercadorias, desfazendo a alegria da gente simples e sonhadora, os ribeirinhos.
Salvador, 18 de junho de 2020.
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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