segunda-feira, 22 de junho de 2020

OS GENERAIS E O SUPREMO (I)

O desentendimento entre os Poderes acontece desde a Proclamação da República. Todavia, o impasse, principalmente, entre o Executivo e o Judiciário, em tempos passados, nunca se radicalizou ao ponto, por exemplo, de afronta aos seus ministros ou intervenção na instituição. Os entreveros culminavam com inconformismos dos governantes, com o Legislativo e com o Judiciário, seja pela altivez do Senado, em recusar homologação de nomes para a Corte, que não mais se registra, na atualidade, seja pelo Judiciário no respeito à Constituição.

O Marechal Deodoro da Fonseca, nosso primeiro presidente, governou o país de 15 de novembro/1889 até 23 de novembro/1891, quando renunciou e outro Marechal, que era vice-presidente, Floriano Peixoto, assumiu o cargo. O governo do primeiro foi marcado por séria crise econômica, mas não houve estremecimento no relacionamento com o Judiciário. Isso aconteceu com Floriano Peixoto, que governou entre 1891/1894; ele não gozava de simpatia nem do Senado nem do STF, porque era tido como desrespeitador das leis e pelas arbitrariedades praticadas no seu governo. As indisposições entre o Marechal de Ferro, denominação que assentava em sua atuação enérgica e ditatorial, ocorreram por ocasião das indicações de ministros para o STF; foram onze escolhas e dessas, cinco foram rejeitadas pelos senadores.

O general Innocêncio Galvão de Queiroz e o subprocurador da República, Antônio Sève Navarro, apesar de graduados em direito, não foram aprovados, porque, como se disse, não eram “expoentes do mundo jurídico". Sem formação jurídica, o Senado não homologou os nomes do general Ewerton Quadros e do diretor-geral dos Correios, Demóstenes Lobo, porque sem graduação em Direito e sem nenhuma experiência na área. Em toda a história do Supremo, somente foram registradas essas cinco denegações, todas no governo de Floriano, em 1894.

Os motivos para a recusa eram de natureza constitucional, porquanto o presidente mandava o nome que lhe aprouvesse, sem observar as exigências legais. O caso mais badalado situou-se na nomeação de um médico para a Corte. Floriano sustentou-se no argumento de que a Constituição expressava "notável saber", sem a expressão que veio depois em todas as Constituições que se seguiram "notável saber jurídico”. Os senadores asseguravam que a primeira expressão não comportava outra interpretação, porque o nomeado iria atuar na área jurídica; no caso do médico Barata Ribeiro, invocaram, no parecer, que faz inveja às votações atuais, a conduta dele como prefeito do Distrito Federal, demonstrando "não só ignorância do direito, mas até uma grande falta de senso jurídico”. Logo após a escolha, Barata Ribeiro assumiu a cadeira, porque não se exigia a aprovação do senado para tomar posse; permaneceu por dez meses no Supremo e rejeitado, afastou-se do cargo.

Nas indisposições entre Floriano e o STF, vale registrar o famoso julgamento de um Habeas Corpus de grande repercussão, impetrado, em 1892, por Rui Barbosa, rompido com o Marechal, onde defendia competência do STF para apreciar a medida, mesmo durante a vigência do estado de sítio. Alegava irregularidades procedimentais e ilegalidades nas detenções. O então vice-presidente, Floriano Peixoto, pressionava a Corte para negar a ordem o que realmente aconteceu. O fundamento foi de que o Judiciário não poderia intervir em casos em estado de sítio e que seus efeitos se mantinham depois de sua vigência. Rui Barbosa teve de exilar-se na Inglaterra, dadas as perseguições de Floriano Peixoto, que foi considerado, no meio jurídico, "persona non grata”. 

Além disso, em vários momentos, Floriano Peixoto procrastinava o cumprimento de decisões judiciais, sob fundamento de que eram de cunho político. Apesar desse desencontro, o Marechal de Ferro, Floriano Peixoto, nem os governantes que se seguiram, nunca desacataram os ministros.

Salvador, 19 de junho de 2020.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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