Já escrevemos aqui que, em benefício da Justiça, o STF poderia filtrar processos que devem ser julgados pela Corte, como acontece com alguns Tribunais do mundo; nos Estados Unidos, esse cenário é mais comum, pois a Suprema Corte, preliminarmente, faz uma prévia seleção, através do denominado writ of certiori, ou seja, o juízo de admissibilidade de recurso. Só haverá julgamento na Corte, se tiver um mínimo de quatro votos entre os ministros; estão excluídos desta exigência as apelações e as matérias de competência originária.
A Corte decide assuntos de interesse nacional, envolvendo discriminação racial, aborto, influência da religião na vida pública, casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc. Recentemente, lei do Estado do Oregon, que autorizava o suicídio assistido por médicos, foi confirmada pela Corte, contrariando posicionamento do governo Bush que penalizou médicos responsáveis pela prescrição de drogas para ajudar doentes terminais a por fim em suas vidas. São muito poucos os casos definidos pela mais alta Corte do país, em torno de 100 por ano.
No Brasil, o sistema adotado pelos ministros é diferente, ou seja, ao invés de selecionar e recusar muitas demandas, traz para a Corte o que deve ser discutido na Justiça de 1º grau e até mesmo nos Juizados Especiais. São frequentes os casos de pequenos crimes ou causas de menor complexidade que os ministros julgam, apesar da inexistência de interesse nacional, mas apenas fruto de disputa entre duas partes: briga de galo, roubo de alimentos nos supermercados, lesão provocada por cachorro, debate sobre publicações em blogs e tantas outras.
O Supremo, através de seu Regimento Interno, já criou 11 STFs, que são as permissões para os ministros prolatarem decisões monocráticas; esses pronunciamentos constituem a maioria dos casos definidos pela Corte, em torno de 90%; a situação torna-se complexa, quando se sabe que essas decisões monocráticas demoram ou nunca chegam ao Plenário. O exemplo mais presente foi a concessão do auxílio moradia para os juízes; o futuro presidente da Corte, ministro Luiz Fux, simplesmente, segurou o processo, por quatro anos, apesar de pedidos de seus colegas para pautar, e só houve homologação depois que foi celebrado um acordo com o governo federal para substituir o benefício por aumento no salário dos magistrados.
O Supremo tornou-se um Tribunal Penal, haja vista as demandas criminais que lhe são encaminhadas sobre a Lava Jato; neste caso, é evidente que outras demandas aguardam tempo e a boa vontade dos magistrados. Essa matéria é de interesse nacional, mas há de se encontrar outra forma, seja porque esses processos criminais que aportam no Supremo não são julgados e causam a prescrição, ou seja, a impunidade, seja porque os ministros dão prioridade para outras matérias. Um exemplo, dentre inúmeros: o ex-presidente Collor foi denunciado em agosto/2015, o processo está no STF mas não anda; certamente, aguarda a prescrição para o ministro julgar.
A AMB, em 2012, em seu site, informou que em 18 anos e meio, o STF abriu 130 processos criminais contra autoridades com foro privilegiado, e ninguém foi condenado. O Superior Tribunal de Justiça, criado em 1989, iniciou 483 ações penais, e houve apenas cinco condenações.
Salvador, 27 de julho de 2020.
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.