quarta-feira, 29 de julho de 2020

A "RACHADINHA"

A "rachadinha" tornou-se mais conhecida no ano passado, apesar de ser prática corrente entre os políticos, em todos os níveis, federal, estadual e municipal. Essa ação consiste no repasse ao chefe de parte do salário que o servidor público recebe no emprego. A práxis ganhou maior repercussão depois que se descobriu o esquema entre o atual senador e ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. A investigação serviu-se de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, COAF, hoje, Unidade de Inteligência Financeira, UIF; esse órgão atua na prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro.

Os relatórios do COAF serviram para abertura de inquérito; o filho do presidente está seriamente envolvido e aliou-se ao policial aposentado Fabrício Queiroz que recebia os valores dos funcionários e repassava para o então deputado mediante certos artifícios. Todavia, a prática não é exclusiva do filho do presidente, pois o mesmo COAF enumerou outros 20 deputados na Assembleia Legislativa com essa ação criminosa e todos estão respondendo na Justiça do Rio de Janeiro. Os experts no assunto informam que é comum essa atividade também entre deputados estaduais e vereadores e já se sabe que chegou até mesmo nos gabinetes de alguns desembargadores. No caso Flávio x Queiroz, a descoberta deu-se de forma fortuita, porque o COAF fazia levantamentos sobre a vida econômica financeira do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, quando foram identificadas movimentações vinculadas ao esquema e que poderia ser a prática da “rachadinha”.

Uma das poucas e das primeiras condenações pela “rachadinha” aconteceu em Minas Gerais, quando a Justiça condenou três cidadãos acusados dessa irregularidade. Segundo o Ministério Público Estadual, ao menos dois servidores repassaram parte de seus salários para o pastor e diretor administrativo da Câmara Municipal da cidade de Itabira, Ailton Francisco de Moraes e para Marlene, ex-mulher do pastor, no período de abril de 2017 a junho de 2019. Os dois servidores foram contratados por indicação do vereador Weverton Júlio de Freitas Simões, com salário de R$ 3.800,00 mensais, sendo que R$ 2.800,00 eram repassados e o funcionário contratado ficava com apenas R$ 1.000,00. A juíza da Comarca, Dayane Rey da Silva condenou o vereador pelo crime de concussão e as penas variaram de seis anos de detenção para os dois primeiros e cinco meses para a última.

A professora de direito administrativo da Escola de Direito do Brasil, Marilda Silveira, diz que a “rachadinha” é "uma forma bastante comum é se aproveitar de alguém que está desesperado para conseguir um emprego e fazer com que o funcionário divida o dinheiro de sua remuneração".

É um procedimento que pode ser enquadrado em vários tipos de crime, a exemplo da concussão, peculato, corrupção, mas oferece dificuldade para ser descoberto e punido, porque os protagonistas têm cada um interesse em manter o esquema; a revelação só acontece quando um do grupo se rebela, quando há uma denúncia anônima ou então por delação premiada. Essas e outras são invenções de nossos políticos que já não se satisfazem com as benesses do cargo e da roubalheira interna e partem para aproveitar das pessoas desesperadas que saem em busca de emprego. 

Salvador, 28 de julho de 2020.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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