Os movimentos estudantis sempre passavam pela Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, dada a proximidade do local com a Secretaria de Educação, na rua Erasmo Braga; nossos protestos eram contra a Lei Suplicy, contra o acordo MEC/USAID, que visava transformar o ensino no Brasil em um projeto tecnocrático, contra as expulsões que se tornaram comuns nas faculdades e no ensino de 2º grau, a exemplo do Pedro II, no Rio de Janeiro. Os estudantes de minha época participavam dos acontecimentos do país e tinham posicionamentos saudáveis para defender, principalmente porque os Estados Unidos intrometiam nos assuntos de interesse nacional e os governos da ditadura facilitavam tais ações.
Lembro-me de uma passeata na qual eu, aluno da Faculdade Nacional de Direito, era carregado numa cama, para simular a preguiça do ministro da Educação; andávamos pela Av. Rio Branco e parávamos em alguns pontos, de preferência nas principais esquinas para os discursos, cujos temas eram sempre denunciando os abusos cometidos pela Lei Suplicy e condenando os Estados Unidos pela interferência no nosso país. Um ponto marcado para os discursos era em frente ao Jornal do Brasil, na Av. Rio Branco, perto do cruzamento com a Rua da Assembleia. Isso se deu no início de meu curso de direito. Noutra oportunidade manifestei numa Assembleia dos bancários, em evento que se realizava no Centro Comercial, no mesmo prédio do jornal do Brasil, na Avenida Rio Branco. Meu pronunciamento foi bastante aplaudido e meus colegas bancários temeram por minha prisão, daí porque me acompanharam até a Rua Correa Dutra, no Flamengo, onde eu residia. Felizmente nada houve, porque fui protegido e usou-se estratégia para evitar que dedos-duros nos seguissem.
Já falei isso, mas repito que alimentava um temor muito grande de não terminar o curso de direito, considerando principalmente os termos da Lei n. 4.464/1964, conhecida como Lei Suplicy, que dispunha sobre os órgãos de representação dos estudantes; essa lei interferia nas atividades estudantis, até mesmo para tratar da eleição dos diretórios dos estudantes, proibindo a reeleição, fixando o mandato em um ano e impedindo "qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político partidário…". A classificação desses atos era inteiramente subjetiva e suficiente para expulsar os estudantes dos bancos escolares. Os dedos-duros vigiavam os estudantes em quase todas as universidades. Na Faculdade Nacional de Direito a fiscalização era ampla e havia "estudantes", que todos sabíamos ser de confiança do sistema e ali estavam para "dedurar”, nunca para estudar.
As manifestações contra a ditadura eram frequentes e eu não tinha como omitir; lutávamos também contra o governo americano, que ajudou no golpe de 1964. Nossa bandeira de luta era contra o entreguismo, que hoje, a gente visualiza. A diferença era que, naqueles anos, os estudantes tinham voz e eram ouvidos pela população, mas atualmente não há representação estudantil para lutar contra, por exemplo, o apoio incondicional ao governo Donald Trump. Vejam que tudo que se faz nos Estados Unidos aqui tem o repeteco: ironia à coronavírus; indicação pelo presidente de medicamentos contra a pandemia, sem comprovação científica e sem ouvir seu ministro da Saúde; reprovação às orientações da OMS; investidas contra TVs, jornais e revistas. Os tempos são outros e os jovens não se dispõem a lutar pelo povo brasileiro.
Salvador, 01 de agosto de 2020.
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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