A ministra Cármen Lúcia, na mudança surpreendente de seu voto, disse ontem: "dados que analisei, não me pareceu que havia elementos suficientes para conceder a ordem"; mudou o voto sem apontar quais os "dados neste momento" para possibilitar o embarque na canoa furada de Gilmar. Não se registrou nenhum fato novo, mas o ministro Gilmar Mendes, irregularmente, segurou o processo por quase dois anos, em seu gabinete, e só pautou depois da publicidade, autorizada por seu colega Lewandowski, das mensagens dos hackers. Registre-se que em outros julgamentos o próprio STF considera ilícita tais mensagens e tanto é verdade que os três ministros não tiveram a coragem de definir se hackear é prova lícita ou ilícita. Lewandowski afirmou que as gravações "são apenas para reforço de argumentação", mas em gritante incoerência, dizia que, na sua manifestação, não baseou nas gravações. Os três ministros negam embasamento de seus votos nas mensagens dos hackers, apesar de mencioná-las durante todo o julgamento.
A ministra repetiu pregação de Mendes, quando reclamou "julgamento justo para Lula", sem atentar que este é dever de todo magistrado em todas as suas decisões e para todos os jurisdicionados. No caso da imparcialidade de Moro, tido como suspeito, são tantas as violações à lei, à jurisprudência e à doutrina que não se esgota nesta matéria. As regras para se processar a suspeição estão taxativamente enumeradas nos arts. 145 e segs. do CPC e devem ser cabalmente demonstradas, o que não ocorreu na sessão espetacular de ontem. E mais: o entendimento é de que a suspeição deve ser alegada até a prolação da sentença e deve ser argumentada na apelação. Nem se pode invocar que se tratava de um Habeas Corpus, pois mesmo assim, permanecem os dispositivos do código processual. “A suspeição do julgador somente pode ser arguida enquanto não realizado o julgamento do feito”. (STJ, REsp 955.783, j. 06.05.2010); TJSP, ES 0084635-31.2011."
Para mudar o voto, a ministra invocou "espetacularização" da condução coercitiva de Lula, determinada por Moro, em 2016; a quebra do sigilo telefônico de advogados que defenderam Lula; divulgação de áudio entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff; levantamento do sigilo da delação do ex-ministro Antonio Palocci. A ministra não percebeu ou deixou de propósito de considerar a certeza de que todos esses fatos aconteceram em 2016/2017; afinal, a condenação do ex-presidente deu-se em julho/2017, punido com a pena de nove anos e meio de prisão, decisão mantida pelo TRF-4 e apreciada, com ajuste da pena, pelo STJ. Pode ter maior insegurança jurídica do que este julgamento!
Quatro anos depois da sentença, o STF passa, como um trator, por cima do TRF-4 e do STJ e de decisões de seus próprios ministros para considerar parcial a sentença, que ficou bem para trás com as sequência de manifestações de tribunais superiores. É uma repetição do que fez o ministro Edson Fachin com a anulação das condenações, que visam proteger o maior corrupto do país. Na verdade, todas as decisões não retiram a prática dos roubos do ex-presidente, mas invalidam pela lateralidade, através de falhas processuais, criadas pelos julgadores.
Salvador, 24 de março de 2021.
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