Você é acusado de desviar recursos públicos na prefeitura de um município. É condenado e recorre ao Tribunal que reforma a sentença, porque a competência para instruir e julgar o processo é de juiz de outra comarca; determina seja enviado o processo para aquela unidade. Outro exemplo: o juiz de seu município ou comarca, condenou você pela prática de crime de corrupção, na administração da prefeitura do lugar onde você reside. Você recorreu e o Tribunal de Justiça modificou a sentença do juiz, porque deduziu que o magistrado, prolator da condenação, não era competente para trabalhar no processo; determinou a remessa do processo para outra comarca, vizinha àquela onde você mora, porque entendeu que o juiz dessa unidade seria o competente para instruir e julgar o feito. Nesses dois exemplos, se você ingressou com Habeas Corpus no Tribunal para pedir a suspeição do juiz que lhe condenou, certamente, será improcedente, porque antes de julgar a suspeição, o Tribunal já tinha dito que o juízo condenatório era incompetente, e, portanto, perde objeto o pedido de suspeição, pois não pode ser suspeito quem era incompetente.
Agora vamos para o principal: você é juiz de uma comarca e o Tribunal julga você incompetente para dirimir um conflito. Na verdade não é você, mas Sergio Moro, na titularidade da 13ª Vara Federal de Curitiba, no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pois bem. O então juiz Sergio Moro, segundo liminar do ministro Edson Fachin, mantida por oito dos onze ministros no plenário do STF, definem que a 13ª Vara não era competente para julgar Lula. Na decisão de Fachin, manda remeter os processos para a Justiça de Brasília, que é a competente e suspende o andamento de Habeas Corpus de suspeição de Moro, sob fundamento de que perdeu o objeto; acontece que este processo de suspeição estava com o ministro Gilmar Mendes desde 2018, quando pediu vista, depois de votos de Fachin e de Cármen Lúcia julgando improcedente a suspeição. Mendes interrompeu o andamento daquele julgamento, pedindo vista, segurou o processo em seu gabinete por dois anos, aparecendo com o Habeas Corpus da Suspeição para julgamento somente no dia seguinte à liminar de seu colega, Fachin. A coincidência é que Mendes é presidente da Turma e o feito foi imediatamente posto em pauta e julgado; por três votos contra dois, a Turma admite a suspeição.
Acima dissemos que:
1ª hipótese: Fachin concedeu liminar e o plenário ratificou, anunciando que a 13ª Vara não tinha competência para julgar os processos do ex-presidente;
2ª hipótese: a 2ª Turma do STF, no dia seguinte à decisão de Fachin, julgou Moro suspeito.
Aí está o final do raciocínio, o imbróglio da questão. Facilmente, sem ser advogado ou juiz, pode-se concluir que se Moro era incompetente, claro, como a luz do dia, ele não poderia ser suspeito, mesmo porque Moro era incompetente e, se incompetente, como entendê-lo suspeito? É certo que a incompetência retirou a existência daquele juízo, daí porque não há como ser suspeito. No linguajar jurídico, dizemos que o ministro Fachin julgou prejudicado o Habeas Corpus da Suspeição de Moro, invocando o argumento de perda do objeto. A conclusão natural é que nunca Moro poderá ser suspeito, porque, antes da suspeição, ele foi considerado incompetente. É a conclusão natural: o juízo que lhe condenou por desvio ou por corrupção tornou-se incompetente e, portanto, sem guarida o processo de suspeição contra aquele juízo. Da mesma forma, se Moro não era competente para julgar, como vai ser classificado de suspeito? Se não podia julgar, como completar a suspeição, se esta necessita de um juízo competente para sobreviver?
Pois é esse o assunto que o STF vai definir amanhã, quinta feira, e já se antecipa alguns votos: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowki, Dias Toffoli e Cármen Lúcia votarão pela suspeição e não estarão nem aí pelo raciocínio lógico, jurídico e elementar que se descreveu acima; a indefinição para julgamento final reside nos votos dos outros sete membros.
Enfim, se a maioria entender que Moro era suspeito, sem ser o juiz competente, estarão tirando leite de pedra para anular por completo os processos condenatórios contra o ex-presidente, visualizando somente sua elegibilidade na eleição de 2022! Aliás, já se fala que o ministro Gilmar Mendes poderá ser um dos ministros, se Lula tornar-se presidente.
Salvador, 21 de abril de 2021.
Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.
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