Onde está o Ministério Público?
Diante das evidências de corrupção no MEC de Bolsonaro, a omissão da PGR é ainda mais escandalosa. O MP deve defender a lei, sem jacobinismo e sem negacionismo
Mais um caso dos tempos da Lava Jato chegou a um fim inteiramente desproporcional ao barulho gerado anos atrás. Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a rejeição da denúncia por obstrução de justiça contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e contra o ex-ministro Aloizio Mercadante. Segundo o órgão acusador, a denúncia, oferecida em 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não se sustenta, seja pela falta de provas, seja porque eventuais crimes já estariam prescritos.
O diagnóstico não é novo, mas à medida que o tempo passa adquire maior nitidez. A atuação do Ministério Público no âmbito da Lava Jato produziu muito alvoroço, mas seus resultados ficaram muito aquém dos escândalos causados. Nessa longa distância entre discurso e realidade, há muitas lições a serem aprendidas: por exemplo, o respeito ao devido processo legal, a incompatibilidade do Ministério Público com a arena política, o reduzido valor probatório das delações, a diferença entre o papel dos procuradores e o dos magistrados e a importância, para uma Justiça realmente imparcial, do juiz de garantias.
Todo esse aprendizado institucional, que poderia servir para um importante e necessário amadurecimento do Ministério Público, encontra-se ameaçado, no entanto, por uma atitude diametralmente oposta – e igualmente distante da lei. Refere-se aqui à omissão e à passividade instauradas por Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nos tempos atuais, é preciso recordar o óbvio. Por força de sua missão constitucional, o Ministério Público não pode ser conivente com indícios de crimes. E – não é necessária uma lupa para ver – o governo de Jair Bolsonaro tem produzido abundantemente tais indícios e, para piorar, em áreas fundamentais, como saúde e educação. No entanto, Augusto Aras age como se tudo estivesse dentro da mais absoluta legalidade.
Por mais que queira agradar ao Palácio do Planalto, o procurador-geral da República não pode ignorar tantos indícios de crime. O relatório final da CPI da Covid foi caso paradigmático. O documento não se baseou em delações ou em complexas elucubrações. O trabalho dos senadores reuniu robusto conjunto de indícios criminosos, que, em boa medida, são de conhecimento público e prévios à própria comissão. Por isso, o encaminhamento dado ao caso por Augusto Aras afronta a missão do Ministério Público. Depois de receber o relatório, o procurador-geral da República simplesmente abriu alguns procedimentos preliminares, que, mais do que colaborar com o esclarecimento dos fatos, parecem destinados a assegurar que os indícios sejam todos esquecidos.
Agora, o País toma conhecimento de uma série de escândalos envolvendo o Ministério da Educação (MEC). Nenhum deles teve origem em delação ou em interpretações jacobinas da lei. São indícios, por assim dizer, explícitos e inequívocos: gabinete paralelo operado por pastores, pregão para compra superfaturada de 3.850 ônibus escolares rurais, kit de robótica com sobrepreço para escola sem água encanada, autorização de construção de 2 mil escolas sem dotação orçamentária. O sr. Augusto Aras considera tudo isso normal? Seria mera escolha política do bolsonarismo, a que a PGR deveria assistir passivamente?
A sociedade precisa do Ministério Público, que é o titular da ação penal. Quando algum procurador escolhe a passividade diante de indícios de crime, a sociedade fica desprotegida em seus valores fundamentais. No caso da PGR, suas omissões são ainda mais graves, porque deixam a população à mercê do exercício corrupto e corruptor do poder.
Na subserviência da PGR aos interesses de Jair Bolsonaro, o mais estranho é que a Constituição de 1988 assegurou a autonomia do Ministério Público. Nada impede Augusto Aras de cumprir seu dever. Nada o obriga a virar as costas ao Direito. É mais uma lição a ser aprendida: a autonomia do Ministério Público é para defender a lei, e não para que cada um se sinta autorizado a fazer suas vontades. Não é Janot, tampouco Aras.
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