Com o título abaixo, saiu no jornal "O ESTADO DE SÃO PAULO".
É dever de Bolsonaro condenar a violência
Atentados recentes a atos políticos preocupam em um ano de eleições altamente polarizadas. Mas, antes que serenar os ânimos, o presidente os acirra
O ataque de um bolsonarista que matou um petista no Paraná é um tenebroso lembrete do que a polarização política é capaz de fazer. Quando vidas são perdidas, é dever das autoridades, a começar do presidente da República, condenar a violência e serenar os ânimos. Mas Jair Bolsonaro faz justamente o contrário – incentiva a hostilidade aos opositores, considerados inimigos.
Um levantamento do Estadão de 2020 mostrou que a média de mortes por motivações políticas nas eleições municipais na redemocratização foi de 52. Naquele ano foram 76. Boa parte desse aumento está relacionada à infiltração do crime organizado. Mas a polarização tem o seu papel.
No último dia 7, uma bomba com fezes foi lançada em um ato do qual participava o candidato petista Lula da Silva. Dias antes um drone despejou fezes e urina em manifestantes petistas. Não havendo indícios de que as agressões tenham sido promovidas por grupos organizados e não tendo deixado feridos, elas tendem a ser relegadas ao folclore. Nem por isso deixam de ser crimes contra a dignidade das vítimas e prenunciar as nuvens de uma tempestade que pode se abater sobre a política nacional. Por isso, o silêncio do presidente da República é ensurdecedor.
Por óbvio, condenar a violência cabe a todos: lideranças civis, autoridades públicas e principalmente os candidatos. O próprio PT tem um histórico de conivência com a violência praticada por regimes ditatoriais e militâncias no Brasil, como o MST. Há pouco, Lula conclamou militantes a intimidar deputados e suas famílias em suas casas. Mas a omissão de Bolsonaro é especialmente grave por quatro motivos.
Primeiro, porque, como chefe de Estado, tem o dever de zelar pela serenidade do processo democrático. Depois, os ataques recentes atingiram o seu maior adversário – no caso do drone, há indícios de que o perpetrador é apoiador de Bolsonaro. Em terceiro lugar, há uma circunstância pessoal. Bolsonaro foi vítima do mais notório caso de violência política do nosso tempo: uma facada em 2018, razão pela qual sua sensibilidade para os riscos de novos atentados deveria ser maior. Mas, por último, e mais importante, Bolsonaro não só não condena explicitamente estes incidentes, como sub-repticiamente os estimula.
De pronto, ele promove a confusão entre justiça e justiçamento. Como parlamentar, prestigiou milícias, chegando a sugerir que deveriam ser legalizadas. Na Presidência, sua política de segurança pública se resumiu a armar a população para que possa fazer justiça com as próprias mãos.
Mais graves são as ameaças às instituições políticas, sobremaneira às eleitorais. O presidente já convocou um desfile de tanques para intimidar os parlamentares no dia da votação da malfadada proposta do voto impresso. Recorrentemente insinua que o resultado das urnas só será lícito se resultar em sua vitória e alude a um desfecho violento com fórmulas golpistas como “preso, morto ou vitorioso”.
Essa tática foi exemplarmente exposta por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, em entrevista ao Estadão. Recriminando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por não fazer modificações exigidas pelos bolsonaristas, Flávio vaticinou que isso traria “instabilidade”. Ao mesmo tempo, se imiscuiu da responsabilidade por eventuais tragédias: “Como a gente tem controle sobre isso?”.
A resposta é óbvia: basta que o presidente Bolsonaro pare de fazer acusações infundadas ao sistema eleitoral e desestimule claramente a violência em caso de sua eventual derrota. Mas não há sinal nesse sentido. Ao contrário. Tanto que o TSE e o STF vêm trabalhando em um plano de segurança reforçado para as manifestações convocadas por Bolsonaro no 7 de Setembro. Não há maior evidência das anomalias causadas pelo flerte do presidente com as vias de fato. É da natureza do processo político que as manifestações da oposição, por contestarem o poder, tendam mais à violência. Mas desde 2019 as instituições da República estiveram constantemente mais ocupadas em se defender de agressões gestadas no próprio Palácio do Planalto.
Bolsonaro encerrou sua carreira militar depois de planejar um atentado a bomba a instalações do Exército. Assim começou sua carreira política. Está em suas mãos evitar que ela se encerre da mesma maneira: com desonra e crime.
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