terça-feira, 4 de outubro de 2022

"BOLSONARISMO SE ENRAIZOU NAS ESTRUTURAS JURÍDICAS DO PAÍS"

 O artigo abaixo é do presidente da Academia Paulista de Direito, desembargador Alfrdo Attié, publicado pelo jornal Folha de São Paulo.


'Bolsonarismo se enraizou nas estruturas jurídicas do país'

Presidente da Academia Paulista de Direito vê omissão do Judiciário e do MP

O artigo a seguir é de autoria do presidente da Academia Paulista de Direito, desembargador Alfredo Attié.

Ele diz que foi desalentadora a resposta do Judiciário e do Ministério Público diante do regime anticonstitucional imposto por Bolsonaro.

Attié vê omissão perante atos ilícitos que tinham de ser investigados.

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O discurso pesado de Alexandre de Moraes contra a postura e a impostura de Bolsonaro não foi exceção entre os ministros do STF e do TSE. Antes dele, houve discursos inflamados de Roberto Barroso e Edson Fachin, e mais amenos de Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. 

De Luiz Toffoli tivemos a instauração de inquérito e a designação de Moraes para seu condutor, o que rendeu munição contra o Presidente e seus aliados. É preciso reconhecer, contudo, que discursos e inquérito não fazem parte, senão extraordinariamente, da função de juízes.

A pergunta está em saber como a instituição do Judiciário se comportou diante do regime anticonstitucional imposto por Bolsonaro. Se as palavras se traduziram em ações concretas de uma instituição que tem por função julgar conflitos e fiscalizar o respeito pela Constituição, e da qual faz parte o Ministério Público, como função essencial, a resposta é desalentadora. 

Claro, o STF impediu que o modo como Bolsonaro conduziu o país durante a pandemia causasse desastres maiores. Mesmo assim, desastres ocorreram em enorme escala, com a perda de vidas de muitos e de perspectiva de vida a tantos mais. 

Outros danos foram causados: invasão de terras indígenas, destruição de biomas, abandono de políticas públicas obrigatórias, espraiamento de preconceito e agudização da exploração econômica e social, em meio a estancamento do desenvolvimento, armamento de milícias, desafio de estruturas militares contra o Poder e a sociedade civil, e crise política sem precedentes. Tudo isso contra as leis e a Constituição. 

Nenhuma ação da PGR contra toda essa devastação jurídica. O PGR foi conduzido e reconduzido, sem que medida fosse tomada. Omissão do Judiciário, MP, perante atos ilícitos que tinham de ser investigados, e ações penais, propostas, cuidando para que descobertas da CPI levassem à punição dos responsáveis. 

Ainda, ao não dar andamento à ação de incapacidade. Omissão em cassar uma chapa que havia alcançado o Poder, em processo viciado por afastamento ilegal de candidato vencedor em pesquisas, por utilização sem controle de fakenews e de redes sociais, em abuso econômico. 

O bolsonarismo acabou por se enraizar nas estruturas jurídicas do Brasil: além de dois ministros nomeados ao Supremo Tribunal Federal, outros tantos a cortes federais, a criação de um tribunal.

A lesão maior, porém, foi cultural, carregando o tradicional conservadorismo brasileiro para a extrema-direita, em um resultado da eleição que incrustou, nas estruturas do Legislativo federal e estadual e dos Executivos de Estados de relevante colégio eleitoral, representantes adeptos fanáticos dessas ações e omissões contra o Estado Democrático de Direito. 

A eleição, ainda, abençoou o lavajatismo, que, a par de ter invadido e corroído as estruturas jurídicas, avançou no campo político, com pautas impregnadas de preconceito e de programas ditados por interesses estranhos aos brasileiros.

Partidos políticos abdicaram de seu papel de representação, tendo o Congresso fechado as portas à sociedade e a seu desejo expresso na Constituição. Pedidos de impeachment ignorados, adesão ao orçamento secreto, alianças fora do espaço público. 

Os liames entre sociedade e Legislativo passaram a se constituir nas redes sociais, sendo abandonado o espaço público democrático de debate, em favor da construção de uma estrutura antipolítica, interesseira e perversa.

Os crimes contra a humanidade foram chancelados nas urnas, desprezando política e justiça?

O que nos resta é lutar para manter os laços que restam de reconhecimento, solidariedade e cuidado, apoiando a gente digna, que ainda esteja disposta a representar o povo, reconstruir e buscar a democracia.

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