O resultado da eleição de 2 de outubro precisa ser estudado. Leiam o artigo abaixo, publicado pelo jornal "O Estado de São Paulo":
O triunfo dos caquistocratas
Por razões ainda a serem estudadas, eleitores consagraram nas urnas Pazuello, Salles e Damares, que transformaram seu péssimo desempenho como ministros em capital eleitoral
Jair Bolsonaro, como se sabe, instalou no País uma caquistocracia – o governo dos menos qualificados, em grego –, mas uma parcela expressiva dos eleitores, em vez de castigar nas urnas os representantes desse regime destrutivo, premiou alguns de seus melhores espécimes. Por razões que ainda precisam ser estudadas, os ex-ministros Eduardo Pazuello, da Saúde, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, além de Mário Frias, ex-secretário especial de Cultura, foram eleitos para o Congresso (Pazuello, Salles e Frias para a Câmara, e Damares para o Senado) a despeito da razia que cada um promoveu nas áreas que estiveram sob sua gestão.
É evidente que os quatro não foram eleitos pelos supostos bons serviços que teriam prestado ao País, mas sim recompensados nas urnas pela fidelidade canina ao presidente Bolsonaro. Ora, trata-se de um ex-ministro da Saúde que não teve a menor preocupação com o bem-estar de seus concidadãos; de um ex-ministro do Meio Ambiente que se pôs ao lado de desmatadores e garimpeiros ilegais; de um ex-secretário de Cultura mais preocupado com o armamento da população do que com políticas de fomento às artes; e de uma ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que demonstrou ter uma visão muito distorcida sobre o lugar da mulher na sociedade moderna, não concebe a existência de famílias fora do modelo tradicional e pensa que alguns humanos têm mais direitos do que outros.
Eleições para cargos proporcionais dão azo ao triunfo de toda sorte de excentricidades. No entanto, o Brasil terá dado um passo muito importante em direção ao desenvolvimento humano, político e econômico quando comportamentos absurdos passarem a merecer somente o repúdio dos cidadãos, não seus votos.
Em particular, a eleição de Pazuello, ministro que mais tempo esteve à frente do Ministério da Saúde durante a pandemia de covid-19, soa como pilhéria sobre os cadáveres dos mais de 680 mil brasileiros que morreram ao longo da crise sanitária. Sua longevidade no cargo não se deveu a outro fator que não a subserviência absoluta a Bolsonaro. “Um manda e outro obedece, é simples assim”, disse Pazuello em outubro de 2020, ao recuar da compra de vacinas por ordem direta do chefe.
Ninguém de boa-fé haveria de imputar a Bolsonaro ou a membros de seu governo a responsabilidade total pelos desdobramentos trágicos da pandemia no País. Contudo, a desídia e a insensibilidade da dupla Bolsonaro-Pazuello foram, sim, responsáveis por transformar uma crise sanitária que já seria muito grave por si só no horror inominável que custou a vida de tantos milhares de brasileiros. É estupefaciente notar que Bolsonaro foi o candidato à Presidência mais votado em Manaus (AM), com 53,5% dos votos válidos. Afinal, foi ali que, há não tanto tempo, dezenas de acometidos por covid-19 morreram em agonia afogados no seco pela demora do governo federal em enviar oxigênio para os hospitais da região.
O desgoverno Bolsonaro não se restringe, obviamente, à condução do País durante a pandemia. Políticas públicas nas áreas de saúde, educação e proteção ambiental foram dizimadas por interesses particulares e questões ideológicas que beiraram o delírio. Insere-se nesse contexto o ataque de Bolsonaro contra as vacinas. A bem da verdade, o presidente não inaugurou o movimento antivacina no Brasil, mas seu discurso anticientífico o agravou profundamente. Nunca as taxas de cobertura vacinal contra sarampo e poliomielite, por exemplo, foram tão baixas como agora.
Mas nem tudo é desalento. Figuras ligadas ao bolsonarismo tiveram desempenho pífio nas urnas, como Fabrício Queiroz, notório faz-tudo do clã Bolsonaro; Frederick Wasseff, rábula dos Bolsonaros; Abraham Weintraub, o mais exótico ministro da Educação deste governo; Nise Yamaguchi e Mayra Pinheiro, candidatas da “bancada da cloroquina”; e Sérgio Camargo, o presidente da Fundação Palmares que hostilizava negros.
Ou seja, os eleitores indicaram que até para aberrações é preciso haver algum limite.
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