segunda-feira, 21 de novembro de 2022

CATAR: TRABALHO ESCRAVO

O Catar, localizado em uma região desértica, conquistou sua independência em 1971 e a primeira Constituição só foi editada em 2005. Isso, entretanto, não impediu o destaque do território com as descobertas de grandes reservas de petróleo e de gás, na década de 40, num território duas vezes menor que a área do estado de Alagoas. A população do Catar é de 300 mil pessoas nativas e 2 milhões de imigrantes, que emprestam a força de trabalho para desenvolvimento do país. Essas conquistas transformaram um dos países mais pobres do Golfo Pérsico num dos mais ricos do mundo. Um bom exemplo é retratado pela empresa de notícias Al Jazeera, de grande importância no mundo, e da companhia aérea Qatar Airways também de cunho internacional.  

Em contraposição a esse cenário de grandes riquezas, os trabalhadores sofrem de varias maneiras, uma das quais, por confisco de passaportes e retenção de salários e isso remonta a anos, além da vida que eles levam em alojamentos insalubres. Muito conhecida a palavra kafala, que serve para denominar a relação entre os trabalhadores estrangeiros e seu patrão local, ou patrocinador. As empresas ficaram autorizadas pelo governo a buscar trabalhadores de outros países e assim procederam através de agências de recrutamento. Isso tornou-se necessário face ao crescimento econômico do Catar, que passou a necessitar de mão-de-obra barata e abundante, segundo o Council on Foreign Relations. Esses trabalhadores que vinham de outros países ficaram dependentes de seus patrocinadores, com dívidas, moradias e até eventuais mudanças ou encerramentos do contrato de trabalho original. Essa vinculação ao patrocinador ocorria porque "sair do local de trabalho sem permissão é uma ofensa que resulta na rescisão do estatuto legal do trabalhador e potencialmente prisão ou deportação, mesmo que o trabalhador esteja fugindo do abuso".  

O kafala tornou-se conhecido como uma forma de escravidão moderna, quando o trabalhador fica submetido a maus tratos, em virtude dessa relação bastante próxima e exploradora com o patrocinador. O kafala existe não só no Catar, mas em vários países da Península Arábica, como Arábia Saudita e os Emirados Árabes. A Copa do Mundo mostrou a exploração do trabalhador, mas serviu para o Catar ser quase forçado a assinar, em 2017, acordo com a Organização Internacional do Trabalho, OIT, prometendo seguir "práticas internacionais de trabalho". A partir daí, foram elaboradas e promulgadas leis que beneficiaram os trabalhadores, principalmente os do exterior. Um dos proveitos consistiu na retirada da exigência de uma autorização para pedir demissão, a partir de quando os estrangeiros podem sair sem aviso prévio ao empregador. Outra alteração aconteceu, em 2018, quando os empregados passaram a poder sair de uma empresa sem necessidade de avisar ao atual empregador. Foram incluídas algumas vantagens como salário-mínimo, limitação na jornada de trabalhadores domésticos e instalação de um comitê para disputas trabalhistas, mas sem permissão para criar sindicatos. A Anistia Internacional assegura que os benefícios apontados não estão sendo cumpridos e os abusos continuam com retenção de passaportes, salários atrasados, falta de pagamento e os trabalhadores domésticos sendo obrigados a trabalhar mais de 14 horas por dia, sem folga semanal. 

O pedido da FIFA para focar no futebol e deixar outras questões de lado não foi bem aceito e a seleção da Austrália já manifestou, pedindo ao governo do Catar que se manifeste sobre direitos humanos negados e sobre criminalização de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. A FIFA proibiu a pretensão da Federação Dinamarquesa de Futebol que iria jogar com as palavras direitos humanos para todos. As duas ONGs e 11 ex-trabalhadores acusam a empresa de construção Vinci de "trabalho forçado" e "manter as pessoas em servidão". Um relatório do Equidem, grupo de Londres que expõe casos de injustiça humana em todo o mundo, declara que "os estrangeiros no Catar trabalharam sob condições severas e foram submetidos a discriminação, roubo de salários e outros abusos". Os trabalhadores falaram sobre taxas ilegais de recrutamento. 

Namrata Raju, diretora da Equidem, na Índia, declarou: "Os estádios em que estão sentados foram construídos por trabalhadores, muitos dos quais estavam em condições do que chamamos de trabalho forçado ou outras formas de escravidão humana. Infelizmente, vemos lacunas muito consideráveis entre o que eles dizem ter mudado na lei e na política e o que acontece na prática".    

Salvador, 21 de novembro de 2022.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.


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