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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

TRIBUNAIS SUPERIORES TÊM O SEU CENTRÃO

Iluminado o artigo do professor Conrado Hübner Mendes, na coluna Opinião, do jornal Folha de São Paulo. Reflete o funcionamento do sistema judiciário brasileiro, onde escreve que "o codigo muda: no lugar de discutir a interpretação das leis, dos fatos e das provas, o juiz calcula o que ganha com isso." Leiam a matéria abaixo:


Tribunais superiores têm o seu centrão

Aliança entre advocacia e magistocracia reforça desigualdade do direito de defesa

Todos os réus são iguais, mas alguns réus são mais iguais do que outros. Na "Revolução dos Bichos", os porcos se declaram "mais iguais do que outros" para demarcar sua distinção na comunidade. Na bruta vida brasileira, poderosos podem contar com o Judiciário para se fazerem mais iguais como os porcos da fábula de George Orwell.

Daniel Dantas, Jacob Barata, Edmar Cid Ferreira, Salvatore Cacciola, políticos de todo o espectro e outros sócios eméritos da confraria dos habeas corpus a jato no STF demonstraram o caminho. Enquanto miseráveis dos furtos de miojo e xampu, do "gato" para ter luz no barraco ou do porte de gramas de maconha esperam meses na fila do habeas corpus, outros têm entrada na via do HC express. A fila vip nem fila é. Costuma levar horas, a depender do ministro.

A distribuição desigual do direito de defesa é lei sociológica tão mais infalível quanto mais desigual e institucionalmente precária a sociedade. Onde o Estado de Direito não consegue mais do que administrar vantagens e injustiças, conforme a capacidade de pagar por serviço legal, tribunais viram casas de leilão de direitos.

Pensava-se, no passado, que o problema estava no fato de pessoas pobres não terem advogado. Mais tarde, quando programas de assistência jurídica gratuita se expandiram, dizia-se que a diferença de tratamento estava na má qualidade do serviço jurídico.

A defensoria pública, apesar da sobrecarga e do déficit de infraestrutura, passa a prestar serviço de excelência. Por que a desigualdade indisfarçada continua? Entre outras razões, porque defensores não participam do círculo da advocacia lobista. Seus clientes, habitantes da periferia social, ainda tentam sobreviver à fome, à violência policial e ao preconceito.

No meio da depravação, que constitui e contamina parcela do campo advocatício e judicial, sobretudo em tribunais superiores, não só o ritual da imparcialidade se corrói. Ali nunca haverá direito de defesa equitativo. Mais do que isso: raras vezes haverá defesa propriamente jurídica. Esse tipo de "defesa" depende menos do brilhantismo do advogado e mais da disposição para violar a ética advocatícia e judicial.

Sem exatamente praticar o direito, mas o lobby, o advogado garimpa uma nulidade criativa e ganha a causa. O juiz, em contrapartida, ganha prêmios materiais ou simbólicos. De viagem a Lisbon a jatinho para Roland Garros e GP de Mônaco. Ou agrados mais modestos, vinhos aqui, estadias ali, palestras remuneradas em bancos acolá. Juntos se locupletam.

Quando juízes se deixam cortejar por advogados promoters, cuja arte bebe mais na tradição de Amaury Jr. e João Doria do que na de José Carlos Dias e Sobral Pinto, mais na paparicação do que na argumentação jurídica, quando o encontro se dá mais ao pé do ouvido do que em público, menos nos salões da Justiça e mais nos jardins do Lago Sul, o Estado de Direito se torna um teatro burlesco.

O código muda: no lugar de discutir a interpretação das leis, dos fatos e das provas, o juiz calcula o que ganha com isso. Advogados discretos e não festivos, ou defensores públicos, têm pouca chance nessa farsa. Uma forma de corrupção da prática judicial e advocatícia.

O time do centrão magistocrático, numeroso nos tribunais de cúpula, participa de eventos com políticos e empresários, de festas em casa de advogados com quem despacham no cotidiano. Também se articulam com o centrão parlamentar para empregar filhos em cargos diversos, como o CNJ. Ou para influenciar as nomeações dos próprios cargos de ministros. Sabemos quem são e de onde vêm.

Há muito a fazer contra isso. Primeiro, observar se a mobilização pública de certa advocacia pela causa abstrata do Estado de Direito não se resume, na prática, ao interesse menos republicano por nulidade processual inusual e malandra que libere seu cliente. Segundo, ajudar a combater, em vez de alimentar, a degradação ética normalizada nas cortes. Terceiro, monitorar como e com quem ministros alocam seus recursos escassos de tempo e atenção.

O presidente da República pode enfrentar a tradição corrupta se nomear juristas que nunca compactuaram com ela. Lula trairá seu compromisso se indicar ministro que promove a desigualdade na distribuição de Justiça, em vez de optar por quem tenta revertê-la.

O centrão magistocrático e a advocacia fisiológica parasitam tribunais superiores e os corrompem. O Estado de Direito está na fila de espera. Junto com pobres presos (geralmente pretos) na fila do HC.

No mutirão pela igualdade, a igualdade do direito de defesa deveria caber. 

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