segunda-feira, 29 de maio de 2023

A FÁBRICA DE CRETINOS DIGITAIS (II)

Neste II capítulo, do que Michel Desmurget alega "Do que devemos nos lembrar?", na monumental obra, anotaremos as palavras do próprio autor. Sob o título "Do que devemos nos lembrar?", diz Desmurget:

"Quatro conclusões principais. 

Em primeiro lugar, em termos de utilização de ferramentas digitais, a informação oferecida ao grande público carece singularmente de rigor e confiabilidade. Submetidos a inacreditáveis imperativos de produtividade, vários jornalistas simplesmente não dispõem de tempo para aprofundar o bastante sua compreensão do assunto para, de um lado, se exprimir com pertinência, e do outro, distinguir os especialistas das fontes incompetentes ou corruptas. 

Em segundo lugar, o consumo digitar recreativo das jovens gerações não é apenas "excessivo" ou "exagerado"; ele é extravagante e está fora de controle. Dentre as principais vítimas dessa orgia temporal encontramos todos os tipos de atividades essenciais ao desenvolvimento; por exemplo, o sono, a leitura, as trocas interfamiliares, os deveres escolares, as práticas esportivas ou artísticas, etc.

Em terceiro lugar, esse frenesi digital que tudo consome prejudica gravemente o desenvolvimento intelectual, emocional e físico de nossas crianças. De um ponto de vista estritamente epidemiológico, a conclusão a extrair desses dados se revela bem simples: as telas recreativas são um desastre absoluto. Qualquer  doença que apresentasse o mesmo "pedrigree" (obesidade, transtornos do sono, tabagismo, violência, déficits de atenção, atrasos na linguagem, ansiedade, memorização precária, etc.) encontraria manifestações de um exército de pesquisadores. No entanto, em relação a esses brinquedinhos digitais, nada dizem. Apenas, aqui e acolá, algumas tímidas advertências e recomendações de "vigilância nacional".  

Em quarto lugar, se o efeito das telas recreativas é tão nocivo, isto deve em grande parte ao fato de nosso cérebro não ser adaptado à fúria que nos assola. Para se construir, ele precisa de moderação sensorial, de presença humana, de atividade física, de sono e de uma nutrição cognitiva favorável. Pois bem, a onipresença digital lhe oferece um mundo inverso: constante bombardeio perceptivo; desmoronamento das trocas interpessoais (especialmente intrafamiliares); perturbação tanto quatitativa quanto qualitativa do sono; amplificação das condutas sedentárias; e insuficiência de estimulação intelectuais crônica. Submetidos a essas pressões ambientais insalubres, o cérebro sofre e se contrói mal. Dito de outro modo, ele continua funcionando, é claro, mas muito aquém de seu potencial pleno. Isso é ainda mais trágico porque os grandes períodos de plasticidade cerebral próprios da infância não são externos. Uma vez terminados, eles não ressuscitam mais. O que foi estragado está perdido para sempre. O argumento da modernidade tão frequentemente apresentado adota assim sua dimensão ridícula. "É preciso viver com seu tempo", diz-nos o exército progressista. Isso é incontestável... Mas seria preciso prevenir nosso cérebro de que os tempos mudaram, porque ele, por sua vez, é o mesmo há séculos. E, infelizmente, antes de se adaptar perfeitamente a seu novo ambiente digital (se conseguir um dia), serão necessárias algumas dezenas de milênios! Enquanto isso, as coisas não vão se ajeitar, e a realidade corre o risco de permanecer amarga. Sem dúvida, seria bom que os defensores de uma digitalização forçada do sistema escolar se conscientizassem disso também. Até hoje, uma única alavanca demonstrou influência realmente positiva e profunda sobre o futuro dos jovens estudantes: o professor qualificado e bem formado. Trata-se do único elemento comum a todos os sistemas escolares mais desenvolvidos do planeta. 

Escrevendo isso, estou consciente "de que ninguém gosta daquele que traz notícias desagradáveis", como Sofócles fazia dizer Antígona. Eu teria preferido, certamente, que as coisas fossem diferentes. Teria preferido que a literatura científica fosse mais positiva, encorajadora, menos inquietante. Mas não é o caso. Alguns não deixarão de lamentar a natureza "alarmista" da presente obra. Está anotado. Mas, com toda objetividade: não há, nos elementos aqui apresentados, do que se alarmar? Cada um julgará por si mesmo.              

Salvador, 29 de maio de 2023.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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