Conrado Hübner Mendes
Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC
É isto um juiz?
Próximo de completar 15 anos na cadeira,
Toffoli vai fazendo história
O ministro Dias Toffoli chegou ao STF após nomeação rodeada de controvérsia. A ausência de credenciais acadêmicas e profissionais e a atuação pouco conhecida como advogado de partido foram lembradas de modo recorrente para questionar a nomeação mais sagaz e corajosa de Lula.
Não levou muito tempo para Toffoli revelar seu estofo jurídico em texto nesta Folha. Celebrando a autobiografia de Hans Kelsen, maior jurista alemão do século 20, concluiu: "Em uma era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas, é reconfortante olhar para o horizonte e enxergar um porto seguro nas teorias de Kelsen."
Kelsen não viveu para gozar dessa homenagem do jovem juiz constitucional brasileiro, que anunciava ali seu projeto de judicatura. Próximo de completar 15 anos na cadeira, o ministro que queria "enxergar um porto seguro" nessa "era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas" merece um balanço de sua contribuição à crônica da vida magistocrática.
Entre os muitos ângulos dessa heroica jornada, a virtude que mais confere unidade à trajetória de Toffoli não está em sua jurisprudência, mas em sua lealdade.
Lealdade a Lula, para começar. Foi Toffoli que, até então apoiador da Operação Lava Jato em Curitiba, após prisão do ex-presidente, não só indeferiu inicialmente que Lula concedesse entrevista a Mônica Bergamo da prisão (no ano seguinte mudou de posição), como impediu Lula de ir ao velório de seu irmão, morto por câncer.
Arrependido, anunciou recentemente que aquela prisão foi "um dos maiores erros judiciários da história do país". Quando da diplomação de Lula, eleito em 2022, disse-lhe ao pé do ouvido: "Me sinto mal com aquela decisão, e queria dormir nesta noite com o seu perdão".
Lealdade às Forças Armadas. Depois de hospedar general em seu gabinete na presidência do tribunal, como forma de estreitar relações, Toffoli anunciou nova interpretação do autoritarismo brasileiro em pleno Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco: "Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964".
Lealdade a Bolsonaro, nosso maior entusiasta do movimento de 1964. No início de sua presidência no STF, Toffoli encontrou em escaninhos pouco visitados do pensamento constitucional a ideia da "concepção clássica da separação de Poderes" e do "diálogo". Também anunciou um "pacto entre os Poderes" para "retomar o crescimento".
Não foi em Kelsen que encontrou essa ideia: "O Supremo deve ter esse papel moderador, oferecer soluções em momentos de crise".
Assim, tentou deixar a família do autocrata tão livre quanto possível para violar a lei. Em plantão judiciário, Toffoli congelou investigação contra Flávio Bolsonaro e bloqueou o trabalho do Coaf e da Receita Federal. E passou a frequentar o Palácio.
"Toffoli é nosso", disse Bolsonaro. "Muito bom termos aqui a Justiça ao nosso lado", enfatizou. Toffoli aconselhou Bolsonaro, derrotado na eleição, a sumir: "Presidente, sua presença na cerimônia de posse só vai mostrar um país dividido, as pessoas vão vaiar" (relato de Recondo e Weber, no livro "O Tribunal").
Sua lealdade a Augusto Aras foi inspiradora. Depois de organizar livro em homenagem ao PGR, apoiar sua recondução e indeferir pedido de investigação por crime de prevaricação contra Augusto, que se disse "estrategicamente discreto" por arquivar mais de 70 representações contra Bolsonaro, Toffoli discursou na despedida: "Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força do silêncio de sua Excelência, talvez não estivéssemos aqui, não teríamos, talvez, democracia."
Sua lealdade aos pobres se mostrou recentemente ao se juntar a André Mendonça e Kassio Nunes para manter condenação de réu pela tentativa de furto de uma pasta de dente, três pares de meia e uma blusa corta-vento, no valor de R$ 124. Assim ajudou a Primeira Turma do tribunal a revogar o princípio da insignificância.
Mas amor, mesmo, Toffoli resolveu declarar ao neolavajatismo (ou lava-jatismo invertido, também conhecido como antilavajatismo sectário). Seu rigor pela invalidação monocrática de provas produzidas contra a oligarquia colonial e extrativista, sob o argumento genérico de violação do devido processo, comove a advocacia lobista mais do que a prisão do pobre coitado. Trabalhadores e pensionistas vão pagar a conta da suspensão da multa de bilhões de reais das maiores empresas do país.
Uma causa, dizem, progressista.
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