OPINIÃO
Uma oferta de supersalário a vossos santíssimos meritíssimos
Proposta identifica verbas que fogem ao teto constitucional para beneficiar servidores
Em fevereiro de 2011, uma agente de trânsito abordou um motorista sem carteira de habilitação conduzindo um veículo sem placa. O infrator identificou-se como magistrado e a servidora retrucou: "Juiz não é Deus". Ela recebeu voz de prisão e foi condenada a indenizá-lo em R$ 5.000 por danos morais —sentença revertida apenas em 2020.
Constata-se a divindade da magistratura nos sagrados supersalários. Juízes e desembargadores operam o milagre de caminharem sobre o teto constitucional do funcionalismo público sem dificuldades. Apenas nos tribunais estaduais, conforme a Transparência Brasil constatou, o contribuinte brasileiro desembolsou R$ 4,5 bilhões acima do teto em 2023. Em Mato Grosso do Sul, o vencimento médio pago a cada membro chegou a R$ 85 mil.
A graça é alcançada com divinos penduricalhos, ofertados —do bolso da população— em grande parte por eles mesmos, em atos administrativos próprios, sem amparo legislativo. Tal qual de água para vinho, transformam a natureza de benefícios, que deixam de ser remuneratórios —limitados ao teto— para se tornar indenizatórios, cujo limite é o céu.
A licença-compensatória, que aumenta seus salários em até um terço, custou R$ 819 milhões ao Judiciário desde julho do ano passado, conforme a Transparência Brasil revelou recentemente.
O Ministério Público também é celestial, reiteradamente pregando a paridade de carreiras com o Judiciário para replicar os benefícios que lhe convém. Tanto que, a despeito de o Estatuto do Ministério Público da União autorizar a conversão em dinheiro da licença-prêmio apenas em caso de morte, ela é paga a 85% dos procuradores, o que consumiu meio bilhão de reais em quatro anos.
A redação inicial da PEC 45/2024 ousou questionar esses dogmas. Mas o Congresso recebeu romarias de associações de classe do sistema de Justiça para a conversão dos parlamentares. A versão aprovada abre caminhos para os contracheques continuarem imaculados. Quem sabe deputados e senadores já tenham com isso até conseguido reservar seu lugar no paraíso.
O mesmo Parlamento que se agiganta sobre o Orçamento do Executivo, apoderando-se com suas emendas de um quarto das despesas livres, ajoelhou-se para louvar as santidades judiciais. Não ousaram replicar o questionamento feito pela agente de trânsito há 13 anos.
O próximo capítulo pode ser a aprovação do PL dos Supersalários. A proposta identifica as verbas indenizatórias que não entram na conta do teto constitucional. O texto originado do Senado foi desvirtuado pela Câmara, que multiplicou as exceções tal qual o milagre dos pães, legalizando a já mencionada licença-compensatória.
Obviamente, não se trata de alimentar uma multidão, mas sim engordar os bolsos da diminuta e autoabençoada elite do serviço público.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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