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sexta-feira, 21 de março de 2025

SAIU HOJE NO ESTADÃO

OPINIÃO DO ESTADÃO

 

A república bananeira de Trump

Um presidente arbitrário, uma administração entregue a um bilionário e um governo que desdenha do Estado de Direito: tudo isso definia uma república bananeira. Agora, é o que define os EUA


Recentemente o presidente dos EUA, Donald Trump, parafraseou Napoleão em suas redes sociais: “Quem salva o seu país não viola nenhuma lei”. Mas o que acontece se o Judiciário discordar? Nos quase 250 anos da república norte-americana, este nunca foi um problema, porque nenhum presidente desobedeceu a uma ordem judicial. Mas Trump, o primeiro criminoso condenado a exercer a Presidência americana, veio para destruir as tradições – e, com elas, o Estado de Direito, o esteio da república. Em seu segundo mandato, Trump está testando como nunca os limites do Poder Executivo, e o risco de um impasse constitucional é cada vez maior.

No caso mais recente, que certamente não será o último, Trump invocou uma lei de 1798 para deportar membros de uma gangue venezuelana para El Salvador. A mencionada lei, que só se presta a tempos de guerra e foi aplicada pela última vez na Segunda Guerra Mundial, permite expulsar inimigos estrangeiros. Segundo o governo, a medida se justifica porque a tal gangue venezuelana está em “guerra” contra os EUA.

Não foi o que entendeu um juiz federal, que ordenou o cancelamento da deportação até que os referidos estrangeiros tivessem o tratamento judicial consoante o Estado de Direito – isto é, que fossem submetidos ao devido processo legal, em que cada um sabe exatamente do que está sendo acusado e pode se defender. Nada disso aconteceu: nem os acusados tiveram qualquer chance de se defender, nem a ordem do juiz foi obedecida. Os deportados foram enviados para as masmorras de El Salvador, governado por Nayib Bukele, aquele que reduziu a criminalidade no país acabando violentamente com o Estado de Direito. Não à toa, Trump celebrou seu colega salvadorenho: “Não esqueceremos!”.

Oficialmente, o governo Trump afirma que não desobedeceu a ordem nenhuma, mas o responsável pela política de imigração dos EUA, Tom Homan, foi claro em entrevista à Fox News: “Eles não vão nos impedir. Não vamos recuar. Não me importo com a opinião dos juízes nem com o que pensa a esquerda. Nós vamos avançar”. Em seguida, o próprio presidente Trump demandou o impeachment do juiz que deu a ordem, classificando-o de “lunático da esquerda radical”.

Trump foi repreendido pelo presidente da Suprema Corte americana, John Roberts, que, em raríssima manifestação pública, disse que “impeachment não é a resposta apropriada quando se discorda de uma decisão judicial”. Não é, mas Trump e seus devotos aparentemente não dão a mínima para o que é apropriado. O vice-presidente J. D. Vance já disse que “juízes não têm permissão para controlar o poder legítimo do Executivo”, uma fórmula ambígua que, de um lado, exprime uma platitude sobre a separação de Poderes e, de outro, insinua que quem decide o que é legítimo é o presidente, como nas monarquias absolutistas.

Movido por esse espírito, Trump, invocando leis obscuras e conceitos vagos como “segurança nacional”, está tentando revestir de legalidade ações francamente contrárias ao espírito constitucional. É o caso da prisão de um imigrante legal que liderou protestos contra Israel na Universidade Columbia. Não se sabe exatamente do que o imigrante é acusado – o governo ora diz que atua para conter o antissemitismo, ora afirma que há relação entre o imigrante e o grupo terrorista Hamas. Mas a acusação formal, qualquer que venha a ser ela, não importa: o objetivo é constranger a livre manifestação do pensamento.

Do mesmo modo, Trump nem se deu ao trabalho de dar algum verniz legal à ação truculenta do bilionário Elon Musk na administração pública americana. Sem cargo oficial, Musk ganhou carta branca para demitir quem quiser, para ter acesso a dados sensíveis e para asfixiar agências que deveriam funcionar por determinação do Congresso, numa escandalosa intromissão privada na máquina pública e na soberania popular do Legislativo.

Decisões arbitrárias e ilegais do presidente, loteamento da administração pública para empresários amigos do poder, desdém absoluto pelo Estado de Direito, tudo isso é o que costumava definir uma república bananeira. Agora, é o que define os EUA – o outrora “farol da democracia”.

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