
Zelenski é herói de guerra, mas não é a melhor pessoa para as negociações de paz
Encontro no Salão Oval com Donald Trump expõe os desafios diplomáticos do presidente ucraniano em meio à guerra
Volodimir Zelenski é um herói de guerra que a história vai recordar. Na hora mais sombria, quando as tropas russas se aproximavam de Kiev, o presidente ucraniano recusou a carona de Joe Biden e ficou no país para liderar a resistência ao invasor.
Mas será Zelenski a pessoa indicada para as negociações de paz? Tenho dúvidas. O circo a que assisti no Salão Oval só aprofundou minhas dúvidas. Para lidar com Donald Trump, é preciso o tipo de inteligência estratégica que Castiglione ensinava no "Livro do Cortesão". É preciso cinismo e falsa modéstia. Hipocrisia e lisonja. Tudo isso feito com "sprezzatura", ou seja, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Zelenski, brutalizado por três anos de guerra, não controla os primeiros impulsos, sobretudo quando é soterrado por ignorância e desumanidade. Os seus músculos de ator atrofiaram no exato momento em que ele precisava mais deles. O filme até começou bem. Trump elogiou a resistência ucraniana e o acordo que os dois países vão assinar para a exploração da riqueza mineral do país.
Zelenski, com pouca paciência para jogar conversa fora, foi direto ao assunto: quer garantias de segurança, chamou Putin de "assassino", acusou Moscou de ter sequestrado 20 mil crianças e mostrou a Trump e aos jornalistas fotografias dos prisioneiros de guerra, torturados por Moscou. Tem razão em todos os pontos? Claro que tem. Sem garantias de segurança, um acordo de paz não vale o papel onde foi escrito. A história é a melhor vitrine: assim foi em 1994, em 1997 e nos Acordos de Minsk de 2014 e 2015.
De resto, a monstruosidade de Putin é uma evidência para qualquer cabeça que não tenha apodrecido com a propaganda russa nas redes sociais. Mas aquele não era o lugar nem o momento para expor as limitações do rei Trump. Nem para o corrigir, já agora, defendendo a contribuição da Europa para a Ucrânia, que foi maior do que a americana (embora não em material militar, que é o que conta).
quem fala do rei Trump, fala do príncipe JD Vance, ridicularizado por Zelenski com uma simples e fatal pergunta: "Já foi à Ucrânia?". Obviamente que não foi. Obviamente que falava do país sem conhecimento de causa. Mas o que interessa isso? O que interessa ganhar uma discussão e perder o essencial?
E o essencial é manter viva a chama do envolvimento americano no destino da Ucrânia. O resto é para ser discutido quando as câmeras não estão filmando. Mas o desastre do Salão Oval não foi apenas um fracasso de simulação. Foi também um confronto entre a utopia e o realismo nas relações internacionais.
A utopia pertence a Zelenski, que quer da nova administração americana a mesma postura da anterior: um apoio robusto que permita continuar a luta. De preferência, até a libertação total do território ocupado. Esse seria também o meu desejo, se as relações internacionais fossem feitas de desejos. Não são. É com Trump que Zelenski terá de lidar, não com Joe Biden. E a nova administração não está interessada em apoiar o esforço de guerra ucraniano. Nem sequer nos termos ambíguos que Biden promoveu desde 2022: resistir, sim; derrotar a Rússia, fora de questão.
A brutalidade de Trump tem o mérito de ser mais clara: nem derrotar, nem resistir. A ideia é acabar com a guerra a qualquer preço porque há negócios a serem feitos. Em teoria, o afastamento americano poderia ser compensado por um maior envolvimento europeu.
Mas a Europa só agora começa a despertar para o seu trágico desarmamento. Não será com a produção industrial do continente, nem com os seus sistemas antiaéreos, nem com os mísseis balísticos de longo alcance, que Zelenski vai virar o jogo. Quem diz o contrário mente. E quem mente condena os ucranianos à morte.
Esse é o motivo pelo qual o premiê britânico Keir Starmer, em difícil equilibrismo, procura uma solução de paz que não aliene Washington. Se houver tropas europeias na Ucrânia para garantir um cessar-fogo, o apoio dos Estados Unidos, nem que seja como último recurso, continua sendo algo essencial.
E Zeleneski? Dias atrás, o presidente ucraniano afirmou estar disposto a deixar o cargo em troca do fim da guerra e da entrada da Ucrânia na Otan.
O segundo cenário não está em cima da mesa e Zelenski sabe disso. Mas o primeiro pode estar: um fim que será sempre imperfeito, uma paz mutilada, uma injustiça histórica. Mas, com garantias de segurança realistas, um fim apesar de tudo. Esse fim não se consegue com as virtudes guerreiras que Zelenski aprendeu a duras penas. É preciso cinismo e falsa modéstia. Hipocrisia e lisonja. É preciso um novo cortesão para lidar com uma nova corte.
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