Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)
Até donos do dinheiro grosso começam a reagir a Trump, que pisca e recua
Prestígio do presidente dos EUA está no vermelho; bajulação dos Bolsonaro continua
A China acredita que pode aguentar o ataque comercial de Donald Trump por mais tempo do que os americanos. Pelo menos até que Trump e Partido Republicano percam as eleições de meio de mandato de 2026, pelos danos econômicos que teriam causado.
O povo dos EUA já não aguenta muito. O prestígio de Trump está no vermelho desde meados de março, segundo a média das pesquisas do Boletim de Nate Silver. Começou com 51,6% de aprovação e 40% de desaprovação, em 21 de janeiro; em 9 de abril, 46,1% a 50,4%.
No Brasil, Trump tem 22% de imagem positiva e 43% de negativa, segundo pesquisa Quaest de fins de março, antes do tarifaço. Entre os brasileiros que votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2022, 44% de imagem positiva e 20% de negativa.
Como Trump vai causar danos a empresas brasileiras, à economia do mundo e à paz, para dizer o mínimo, pode ser que fique com o filme ainda mais queimado. Até onde os Bolsonaro vão continuar a bajulação?
A finança americana chiou. Trump sentiu o golpe e enfiou no bolso o aumento de importação que valia a partir desta quarta. Quis dizer que o alvo mesmo é a China.
Financistas não aguentaram uma semana do tarifaço do "Dia da Libertação", 2 de abril —nem mesmo amiguinhos de Trump. Desde sexta, passaram a falar publicamente de recessão, de alta de juros, de destruição de empresas. Quase toda essa gente ficara quieta desde a segunda vitória de Trump, uns por adesão, muitos por temor de retaliação.
Desde esta terça, o mercado de títulos de dívida, inclusive o mercado de títulos da dívida pública americana, começou a rugir grosso. As taxas de juros começaram a subir, não se sabe bem por pânico, por acidentes com hedge funds alavancados ou o quê.
O comando de dois bancões teria avisado o governo Trump de que havia risco de colapsos, como em março de 2020, quando esse mercado travou, por falta de quem quisesse comprar títulos, obrigando o Fed, o BC dos EUA, a intervir de novo, garantindo o funcionamento da praça e voltando a subsidiar a conta de juros do setor privado e do governo.
Na sexta passada, a taxa de juros dos títulos de 10 anos do governo americano chegara a triscar os 3,99% ao ano. Trump fez festa. Disse que estava cumprindo a promessa de baixar juros, uma idiotice de demagogo lunático, como um Bolsonaro. A taxa na verdade caía por medo do risco no mercado de ações ou de empréstimos para empresas, por receio de recessão e pela decorrente expectativa de queda da taxa básica do Fed. Era um movimento normal, de fuga do risco para papeis mais seguros.
Na quarta, o título de 10 anos foi a perto de 4,5% ao ano. Taxa de juros em alta é outro modo de dizer que o preço dos títulos cai (isto é, há mais gente vendendo do que comprando títulos). Por que donos do dinheiro grosso do mundo não queriam ficar com títulos americanos, mesmo com ações sangrando em vermelho vivo?
Vai demorar para se descobrir o que se passou (se é que já passou). Até hoje não se sabe bem o que houve em 2020.
Trump piscou quando viu que o vulcão do mercado de títulos da dívida americana, de US$ 29 trilhões, poderia explodir na cara dele. Continua sua guerra contra servidores de alto nível, universidades, minorias, eleições livres e sistema de justiça independente. O grosso da guerra econômica também. Mas, por ora, pelo menos o dinheiro grosso indicou que o Nero Laranja pode ter limites.
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