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sábado, 12 de abril de 2025

SAIU NA FOLHA DE SÃO PAULO

Assim como na OAB, médicos deveriam fazer exame de proficiência? NÃO

Prova pontual é ineficaz; não há evidências de que a qualidade das faculdades de direito melhorou após o exame da Ordem

Sandro Schreiber de Oliveira

Doutor em epidemiologia, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande e da Universidade Católica de Pelotas; diretor-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem)

Embora a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) concorde com a preocupação da sociedade quanto à ampliação de vagas e número de escolas médicas no Brasil, consideramos que um exame de proficiência não é capaz de contribuir para a redução da quantidade ou para a melhoria da qualidade dos médicos formados.

Não há evidência científica de que a qualidade das faculdades de direito tenha melhorado após a implementação do exame da OAB(aprovação nunca passou de 20%), ao passo que a quantidade de cursos de direito passou de cerca de 250 para mais de 1.500.

Alunos de medicina no laboratório de anatomia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - Anselmo Cunha/Folhapress

Diferentemente do que ocorre no direito, com possibilidade de exercício profissional para além da advocacia, na medicina um médico reprovado num exame de proficiência não terá qualquer possibilidade de atuação profissional na área. Isso amplia a possibilidade do exercício ilegal da profissão e, portanto, em vez de proteger a sociedade, tende a colocá-la ainda em maior risco.

Apesar da grande expansão de escolas e vagas de medicina, ainda existe carência de médicos nos serviços públicos, fato observado por quem utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS) cotidianamente. A situação dos planos de saúde não é distinta. Em muitas cidades brasileiras há longa espera por consultas e superlotação de emergências credenciadas aos planos de saúde. Um exame de proficiência reduzirá a quantidade de médicos disponíveis para atuar no cuidado às pessoas com piora desse quadro, tanto no SUS quanto na rede privada. O risco de colapso do sistema de saúde é real.

Não se trata de optar pelo número de médicos em detrimento da qualidade do cuidado às pessoas. Provas teóricas pontuais não têm capacidade de distinguir entre o bom e o mau profissional. Boa parte das questões em provas desse tipo, hoje, podem ser respondidas pela inteligência artificial. Não avaliam empatia, capacidade de comunicação, relacionamento com os pacientes ou outras habilidades práticas para o desempenho profissional —estas sim capazes de inferir a competência do médico para cuidar de pessoas.

Uma das causas para a expansão desenfreada de cursos de medicina é a perspectiva de grandes lucros do setor. Uma prova realizada após emissão do diploma penaliza apenas o recém-formado e amplia a possibilidade de ganhos financeiros com a oferta de cursos preparatórios para "passar na prova", agravando o problema em vez de resolvê-lo.

Esses cursos são caros e inacessíveis aos egressos do curso médico oriundos de famílias de baixo poder aquisitivo, tornando o exercício da medicina ainda mais elitizado e distante dos sonhos de muitos brasileiros.

Para muitos estudantes que se endividam para pagar cursos de medicina e passam vários anos trabalhando para saldar suas dívidas com bancos e financeiras, a não autorização do exercício profissional em consequência do desempenho em uma única prova coloca-os numa situação de inadimplência. Além dos impactos emocionais e do aprofundamento de sua vulnerabilidade social, essa situação pode gerar consequências para o sistema bancário, com redução da oferta de novos financiamentos.

A Abem, que há mais de 60 anos reúne escolas médicas, professores e estudantes na busca pela qualidade da formação médica, defende que a solução para assegurar o adequado cuidado prestado à população é dever do Estado e passa por uma estratégia de avaliação ampla, criteriosa e com consequências para cursos novos e antigos, associada a avaliações do estudante ao longo de toda a graduação, de modo que a emissão de diploma só se efetive após sua aprovação, gerando corresponsabilidade da escola e inibindo a expansão desenfreada de cursos ruins.


 

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