quinta-feira, 17 de abril de 2025

SAIU NA FOLHA DE SÃO PAULO

Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

SALVAR ARTIGOS

Conrado Hübner Mendes

Viajar aos EUA está perigoso

Risco de detenção e deportação passa a depender do guarda da esquina

Antes de voar para os EUA, faça o teste:

Já escreveu crítica a Donald Trump em rede social? Mandou chacota sobre Elon Musk pelo WhatsApp? Participou de evento sobre mudança climática? De mesa redonda sobre educação e direitos humanos?

Defendeu diversidade em empresas e universidades? Sugeriu contratação preferencial de mulheres e negros? É empresário engajado em temas de justiça e desenvolvimento?

É cientista, jornalista ou ativista? Compartilhou post crítico à intensidade do ataque de Israel a Gaza? Tirou foto da faixa "Black Lives Matter"? Foi para as ruas contra a brutalidade policial?

É estudante universitário? Tem amigo que expõe opiniões políticas em universidade dos EUA? Leva na mala livro banido das bibliotecas públicas e escolares? "Mein Kampf", de Hitler, pode. "Abolition Democracy", de Angela Davis, não.

Se respondeu um sim qualquer, recomenda-se estratégia. Se respondeu apenas não, se for cordato e de aparência aprazível ao agente de imigração, seu risco é ligeiramente menor. Depende da lua e do que a autoridade comeu no café da manhã.

Um homem de cabelo claro, vestindo um terno azul e uma gravata vermelha, está descendo as escadas de um avião. O céu ao fundo está nublado.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desembarca do avião presidencial em Miami - Kent Nishimura - 3.abr.25/Reuters

Se votou em Jair, participou da marcha para o golpe em 8 de janeiro, se tem fotos consumindo popcorn ou ice cream dentro do palácio depredado enquanto pedia morte de Alexandre de Moraes, não se deixe enganar.

Mas se confia em estatística, pode ir sereno. Porque, estatisticamente, o risco ainda é baixo.

Nada mais é como antes. Até portadores de green card têm sofrido detenções e deportações. Não importa o status do seu visto ou a beleza da sua pele branca, o agente de imigração está autorizado a vetar sua entrada. Só não está autorizado, ainda, a te mandar para El Salvador ou Guantánamo. Para isso há uma burocracia.

Parece exagero, mas o exagero virou questão de probabilidade.

Desde que a Casa Branca publicou a ordem "Protegendo o povo americano contra invasão", o guarda da esquina entrou em estado de gozo permanente. Os agentes de aplicação física da lei sentem-se empoderados pelo autocrata. Autorizados a descumprir a lei para agradar ao autocrata. A se comunicar por telepatia com o autocrata.

Arbitrariedade suplantou controles básicos do exercício da autoridade. Regras de direito substituídas por emoções primárias, fidelidade à lei por fidelidade a Trump.

Nesse regime, previsível é a imprevisibilidade. Tudo é possível, até mesmo entrar com tranquilidade. Território de aeroporto sempre foi zona de transição onde o Estado de Direito tem dificuldade em chegar. Onde o estrangeiro está mais vulnerável à torpeza autoritária.

Todo sabichonismo político falhou no cálculo do que Trump reeleito seria capaz de fazer. Subestimar o autocrata é uma arte sabichona. Chamar alerta político de "alarmismo" é uma arte sabichona. Usar crachá de ciência social para dar um chute no escuro, com pose de cientista, é uma arte sabichona. Artistas sabichões, vestidos de comentaristas, permanecem influentes lá e aqui.

Apague os registros do seu passado. Obedeça e se comporte na roleta russa. Você está tentando entrar no país da liberdade.

Se, afinal, entrar, atenção aos riscos sanitários. O país está abolindo programas de vacinação, bases de dados epidemiológicos e pesquisas. Sarampo voltou a matar. A política pública que sobrar estará de olhos vendados.

"Travessia perigosa, mas é a da vida", disse o Riobaldo, de Guimarães Rosa. Boa viagem.

 

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